“Words for Bob are like tacks on the kitchen floor in the dark of night and you’re barefoot. So Bob clears a path he can walk through words without getting hurt. Bob changes the values and shapes of words. In some sense they take on more meaning; in some cases, less.” (qtd. in Holmberg 43).
“The way actors are trained here is wrong. All they think about is interpreting a text. They worry about how to speak words and know nothing about their bodies. You see that by the way they walk. They don’t understand the weight of a gesture in space. A good actor can command an audience by moving one finger” (qtd. in Holmberg 49).
“I do movement before we work on the text. Later we’ll put text and movement together. I do movement first to make sure it’s strong enough to stand on its own two feet without words. The movement must have a rhythm and structure of its own. It must not follow the text. It can reinforce a text without illustrating it. What you hear and what you see are two different layers. When you put them together, you create another texture” (qtd. in Holmberg 136).
Holmberg, Arthur. 1996. The Theatre Of Robert Wilson. Cambridge: Cambridge UP.
Tradução livre
“Palavras são para Bob como tachinhas no chão da cozinha na escuridão da noite e você descalço. Então Bob limpa o caminho para que se possa atravessar as palavras sem se machucar. Bob altera o valor e a forma das palavras. Em alguns casos elas assumem mais sentido; em outros menos.”
“O modo como os atores são treinados aqui é errado. Tudo que se pensa é interpretar o texto. Eles se preocupam a respeito de como falar as palavras e não sabem nada sobre sues corpos. Você vê isso pelo modo como eles caminham. Eles não entendem o peso de um gesto no espaço. Um bom ator pode comandar a platéia movendo um dedo.”
“Eu faço movimentos antes de trabalhar no texto.Depois nós colocamos texto e movimento juntos. Eu faço movimentos primeiro para me certificar que são fortes o suficientes para se sustentar nos próprios pés sem palavras. O movimento dve ter ritmo e estrutura por si só. Não pode seguir o texto. Ele pode reforçar o texto sem ilustrá-lo. O que você ouve e o que você vê são duas camadas distintas. Quando você as une, você cria uma outra textura.
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O trabalho com a obra de Bob Wilson partiu de várias frentes de contato: textos da bibliografia indicada, aulas expositivas, pesquisa de mídias na internet, vídeos de obras, a chance de vê-lo se apresentar no SESC Belenzinho com o trabalho Krapp’s last Tape, a confecção de roteiros individuais e coletivos a partir de apropriação crítica de seu trabalho e finalmente um exercício prático onde mais que uma mímese relacionada a trabalhos observados, sua estética e procedimentos foram “devorados”, ou seja, no melhor que o movimento antropofágico tem para ensinar, comemos Bob Wilson.
Gostaria de dividir algumas considerações.
O texto de Hans-Thies Lehmann, Teatro Pós-Dramático, foi para mim fundamental para começar a compreender onde a obra de Wilson se insere, e dado o número de vezes que Lehmann cita e/ou ilustra com o trabalho de Wilson, parece que Wilson alimenta a própria reflexão de Lehmann em relação ao pós-dramático.
Os vídeos e a pesquisa na internet, em especial do próprio site da obra do sr. Wilson
serviram para se ter uma idéia visual de tudo o que se lê a respeito de seu trabalho. Finalmente assistir o monólogo Krapp’s Last Tape e ver ao vivo sua estética, e o preciosismo de sua execução foram bastante pedagógicos.
Como um artista que vem da dança e estuda há algum tempo a potencialidade expressiva do corpo: capacidades, possibilidades, limitações, desafios, etc. entrar em contato com o universo de Bob Wilson, principalmente introduzido por Lehman como este lugar onde o texto não ocupa mais a posição principal foi um grande prazer. Parece que a dança e o teatro nunca estiveram tão mesclados.
Em Bob Wilson o trabalho da cena transcende a palavra no seu contexto tradicional. Mesmo quando utiliza texto, na maior parte das vezes sua utilização se dá de uma forma alterada, distinta, significando diferente.
Seu trabalho foca outras áreas do teatro, muitas vezes ligadas aos aspectos visuais como a iluminação que é quase que uma assinatura, o trabalho de corpo, estilizado e grandioso, distante do natural, a cenografia ou a construção cênica.
Em relação ao modo como utiliza o corpo não pude deixar de relacionar com um texto de dança bastante importante.
Na introdução de um livro de Rudolf Laban, O Domínio do Movimento, o autor nos dá um exemplo interessante da potencialidade do movimento, da dança. Ele nos pergunta, depois de estabelecer que um sujeito se move por motivos tangíveis (aparentes) e/ou intangíveis (ocultos), se seria possível a um espectador observar em uma atriz ou bailarina representando Eva no momento em que pega o fruto da Árvore do conhecimento do Bem e do Mal estes dois objetivos: pegar a maçã para comer e ao mesmo tempo adquirir todo o conhecimento do Bem e do Mal. Ele mesmo responde que muito provavelmente não.
Ele dá exemplos de como Eva pega essa maçã: por exemplo vorazmente ou languida e sensualmente. Pois bem, o que se vê de fato em termos de movimento é apenas um agarrar rápido e seco ou um deslizar do braço lento e contínuo. A sensação de voracidade ou languidez quem constrói é o espectador.
Cito Laban para endereçar essa natureza intrínseca do movimento de dizer muito mas não dizer nada exatamente. O movimento é quase como um discurso indomável... sujeito a uma chave que parece ser muito mais da interpretação que da significação e aqui eu estou pensando a partir do texto de Michael Kirby, Por uma performance não-semiótica.
Talvez a palavra possa adquirir uma natureza semelhante quando utilizada em forma poética, metafórica, ou em outras figuras de linguagem. Mas o movimento per se tem essa característica.
Penso que é exatamente nesta potencialidade que Bob se utiliza da linguagem corporal e da dança. Nesta imprecisão natural do discurso do corpo ele pode transbordar leituras, deixa a pergunta no ar ao invés de responder, algo que parece ser também uma marca registrada de seu modo de fazer artístico e sua estética.
De alguma forma, creio que vários dos procedimentos de Wilson, como por exemplo simultaneidade, justaposição e não linearidade, vão na direção daquilo que, de uma certa forma, é próprio da dança e sua “imprecisão de dizer exatamente, mas certamente dizer algo”. Mesmo outras características de sua composição como o estatismo, a câmara lenta, disjunção de voz e ato, são recursos para sair de um lugar tradicional onde a compreensão está condicionada. A minha impressão é que ele deseja em muitas das vezes re-significar, especialmente alguns elementos que são próximos do artista e constantes como o corpo e a voz.
Em Krapp’s Last Tape a cena inicial é longa, talvez cerca de 10 minutos, onde não há nem texto, nem movimento, apenas a projeção de algo que se assemelha a chuva e o som de chuva. Quando ele finalmente se move - e esperamos isso a cada momento, sabemos que a peça não se resume ao estatismo do início ao fim mas como a espera é longa, vamos entrando em outro lugar/estado e quase esquecemos que ele irá se mover... - o movimento tem um valor completamente diferente daquele que aconteceria na seqüência: terceiro sinal, black out, luz/som, movimento. Bob, re-significa aquele primeiro movimento, pequeno e estilizado a partir da imobilidade. Essa percepção foi certamente outra por causa do estudo da obra de Wilson e me pergunto se uma platéia sem algum tipo de estudo sobre o pós-dramático, ou qualquer estudo de artes cênicas que seja chegaria a ser tocada por aquilo. Fico me perguntando se a obra de Wilson chegaria numa platéia sem seu histórico. Sendo sincero, eu nunca pensei que estes 10 minutos de “vácuo” teriam tamanho impacto em mim...
Clipe
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