A ORDENAÇÃO DO CAOS
Por: Francis Wilker
Para começar
pelo começo, acho importante dizer que a obra de Bob Wilson nunca tinha
despertado meu interesse. Guardava para mim esse nome associado à ideia de
elitismo, artificialidade, ostentação....Desse modo, a oportunidade de conhecer
melhor o artista e sua obra na disciplina Encenações em Jogo foi uma rica
oportunidade de aprender e rever preconceitos...a prova de que o conhecimento é
o melhor antídoto contra o preconceito e a ignorância (aqui no sentido de falta
de conhecimento mesmo).
De início a
proposta do professor Marcos Bulhões em trabalharmos com Roteiros Cênicos se
mostrou bastante instigante. Como diretor/encenador pouquíssimas vezes fiz uso
dessa “ferramenta” de “planejamento” da encenação. Essa estratégia ao mesmo
tempo ajudou a me aproximar do universo do artista que estava sendo estudado e
também me fez pensar em outras possibilidades para o meu trabalho como
encenador, uma vez que achei bastante produtiva a elaboração dos roteiros,
tanto como estímulo criativo quanto como um modo possível de pensar a elaboração/estudo
de uma encenação.
O estudo do
documentário Absolute Wilson foi fundamental para ter uma noção da trajetória
do artista: origem, formação, influências, características, etc. Nesse ponto me
chamou a atenção dois aspectos principais:
1)
o
interesse e o trabalho de Bob com crianças/pessoas com problemas mentais (seja
em relação à fala, à cognição ou motora). O encontro com essas aparentes
limitações parece ter sido o grande disparador que resultou em aspectos
importantes de sua poética. Além disso, o próprio Wilson apresentava
dificuldades de fala quando criança. É interessante pensar como a limitação age
no trabalho artístico gerando novas respostas e modos de expressar o mundo.
Pensar em procedimentos como disjunção entre gesto e fala; dilatação do tempo;
formas de trabalhar um texto; narrativas não lineares, entre outros, ganham
novo sentido após conhecer essa trajetória.
2)
As
suas experiências formativas que envolvem as artes visuais, o happening, a dança, o teatro, a
arquitetura. Isso ajuda a entender como Bob se posicionou logo de início numa
zona de criação absolutamente híbrida.
O impacto dessas dimensões na sua poética pode ser exemplificado
na descrição do seu trabalho apresentada no texto de introdução de uma
entrevista com o encenador e, em seguida, com um trecho onde o próprio Bob fala
de suas criações:
“Rejeitando as facetas mais conservadoras da prática do
teatro, ao enfatizar a qualidade pictórica da composição de palco, suas peças
do final dos anos 60 criaram uma fusão caleidoscópica de elementos de palco:
camadas multiespaciais e temporais desdobrando-se em uma longa duração de
tempo, e questionando a idolatria da palavra que dominou o teatro ocidental
desde a Renascença.”[1]
“Para mim, é tudo ópera e é ópera no sentido latino da
palavra, que significa trabalho: e isto significa algo. Eu escuto, é alguma
coisa que eu vejo, é algo que eu cheiro. Isto inclui arquitetura, pintura,
escultura e luzes: todas as artes estão na ópera. De uma certa maneira, todos
os meus trabalhos são óperas , no sentido da palavra em latim, que significa “opus”.”[2]
Entre os parceiros recorrentes de
Wilson destaca-se o músico e compositor Philip Glass que colaborou em diversas
montagens. Veja uma das composições no link:
Depois de
conhecer melhor aspectos do seu trabalho, assistir ao espetáculo A Última Gravação de Krapp, onde o
próprio Bob Wilson está em cena, foi uma experiência diferenciada. Ali, me
relacionando ao vivo com a matéria de sua arte, me chamou a atenção o apuro
visual da cena, há uma preocupação singular com acabamento de cenários e
objetos, sua distribuição no palco e a composição dessas visualidades de modo
geral. Outro aspecto que impressiona é o modo como a iluminação se configura,
há aqui uma precisão e ao mesmo tempo uma sutileza – como a passagem de tempo
expressa pela luz que vaza da janela – a sensação é de que a luz é como um ator
no espetáculo.
Por último,
a experimentação prática dos principais procedimentos discutidos pela turma foi
um terreno fértil de possibilidades. Interessante notar como em pouco tempo
tantas imagens potentes foram criadas, experimentos simples a partir dos
roteiros e que exploraram relações com o tempo, o espaço, elementos visuais...como
pode ser visto no link abaixo que contém o registro das experimentações do
grupo que integrei:
De modo
geral, esses são os principais aspectos que me chamaram a atenção durante o
módulo Bob Wilson. Seja no trabalho como professor e/ou encenador (em mim esses
dois aspectos parecem não se separar) se mostrou estruturante analisar obras
teatrais/encenadores procurando identificar procedimentos utilizados, discutir
sobre os mesmos e em seguida experimentá-los e observar como se desdobram em
outros corpos, com outras memórias, em outra cultura...
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