Páginas

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A ORDENAÇÃO DO CAOS


                                                       A ORDENAÇÃO DO CAOS
                                                                                                                  Por: Francis Wilker




Para começar pelo começo, acho importante dizer que a obra de Bob Wilson nunca tinha despertado meu interesse. Guardava para mim esse nome associado à ideia de elitismo, artificialidade, ostentação....Desse modo, a oportunidade de conhecer melhor o artista e sua obra na disciplina Encenações em Jogo foi uma rica oportunidade de aprender e rever preconceitos...a prova de que o conhecimento é o melhor antídoto contra o preconceito e a ignorância (aqui no sentido de falta de conhecimento mesmo).
De início a proposta do professor Marcos Bulhões em trabalharmos com Roteiros Cênicos se mostrou bastante instigante. Como diretor/encenador pouquíssimas vezes fiz uso dessa “ferramenta” de “planejamento” da encenação. Essa estratégia ao mesmo tempo ajudou a me aproximar do universo do artista que estava sendo estudado e também me fez pensar em outras possibilidades para o meu trabalho como encenador, uma vez que achei bastante produtiva a elaboração dos roteiros, tanto como estímulo criativo quanto como um modo possível de pensar a elaboração/estudo de uma encenação.
O estudo do documentário Absolute Wilson foi fundamental para ter uma noção da trajetória do artista: origem, formação, influências, características, etc. Nesse ponto me chamou a atenção dois aspectos principais:
1)      o interesse e o trabalho de Bob com crianças/pessoas com problemas mentais (seja em relação à fala, à cognição ou motora). O encontro com essas aparentes limitações parece ter sido o grande disparador que resultou em aspectos importantes de sua poética. Além disso, o próprio Wilson apresentava dificuldades de fala quando criança. É interessante pensar como a limitação age no trabalho artístico gerando novas respostas e modos de expressar o mundo. Pensar em procedimentos como disjunção entre gesto e fala; dilatação do tempo; formas de trabalhar um texto; narrativas não lineares, entre outros, ganham novo sentido após conhecer essa trajetória.
2)      As suas experiências formativas que envolvem as artes visuais, o happening, a dança, o teatro, a arquitetura. Isso ajuda a entender como Bob se posicionou logo de início numa zona de criação absolutamente híbrida.
O impacto dessas dimensões na sua poética pode ser exemplificado na descrição do seu trabalho apresentada no texto de introdução de uma entrevista com o encenador e, em seguida, com um trecho onde o próprio Bob fala de suas criações:

“Rejeitando as facetas mais conservadoras da prática do teatro, ao enfatizar a qualidade pictórica da composição de palco, suas peças do final dos anos 60 criaram uma fusão caleidoscópica de elementos de palco: camadas multiespaciais e temporais desdobrando-se em uma longa duração de tempo, e questionando a idolatria da palavra que dominou o teatro ocidental desde a Renascença.”[1]

“Para mim, é tudo ópera e é ópera no sentido latino da palavra, que significa trabalho: e isto significa algo. Eu escuto, é alguma coisa que eu vejo, é algo que eu cheiro. Isto inclui arquitetura, pintura, escultura e luzes: todas as artes estão na ópera. De uma certa maneira, todos os meus trabalhos são óperas , no sentido da palavra em latim, que significa “opus”.”[2]

Entre os parceiros recorrentes de Wilson destaca-se o músico e compositor Philip Glass que colaborou em diversas montagens. Veja uma das composições no link:

Depois de conhecer melhor aspectos do seu trabalho, assistir ao espetáculo A Última Gravação de Krapp, onde o próprio Bob Wilson está em cena, foi uma experiência diferenciada. Ali, me relacionando ao vivo com a matéria de sua arte, me chamou a atenção o apuro visual da cena, há uma preocupação singular com acabamento de cenários e objetos, sua distribuição no palco e a composição dessas visualidades de modo geral. Outro aspecto que impressiona é o modo como a iluminação se configura, há aqui uma precisão e ao mesmo tempo uma sutileza – como a passagem de tempo expressa pela luz que vaza da janela – a sensação é de que a luz é como um ator no espetáculo.
Por último, a experimentação prática dos principais procedimentos discutidos pela turma foi um terreno fértil de possibilidades. Interessante notar como em pouco tempo tantas imagens potentes foram criadas, experimentos simples a partir dos roteiros e que exploraram relações com o tempo, o espaço, elementos visuais...como pode ser visto no link abaixo que contém o registro das experimentações do grupo que integrei:

De modo geral, esses são os principais aspectos que me chamaram a atenção durante o módulo Bob Wilson. Seja no trabalho como professor e/ou encenador (em mim esses dois aspectos parecem não se separar) se mostrou estruturante analisar obras teatrais/encenadores procurando identificar procedimentos utilizados, discutir sobre os mesmos e em seguida experimentá-los e observar como se desdobram em outros corpos, com outras memórias, em outra cultura...


[1] Texto de apresentação da entrevista com Robert Wilson in HERITAGE, Paul; DELGADO Maria M. Diálogos no Palco. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A, 1999.
[2] Idem. Pág.535.
* Foto: montagem do autor e fotografia de Carmven.

Nenhum comentário:

Postar um comentário