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domingo, 25 de agosto de 2013

Robert Wilson

Rodrigo Severo 
Ao problematizar o “modelo de encenação de Robert Wilson” (dramaturgia das imagens) como procedimento metodológico para o ensino de teatro, pode possibilitar ao atuador pensar o teatro como uma engenharia cênica composta por diversas camadas e funções. Neste caminho pedagógico, o participante, inserido no processo, pode expressar-se de outras formas cênicas que não estejam completamente subordinadas à arte do ator. Nesta perspectiva, elaborar uma dramaturgia visual é uma tarefa complexa e lúdica que apresenta visões de mundo e concepções cênicas, podendo dialogar com os integrantes envolvidos num processo de criação teatral. Então, tal recurso, pode ser bastante interessante para se trabalhar novos modos de atuação do ator.
No teatro de Bob Wilson, o trabalho do atuante está em oposição ao teatro naturalista, desenvolvendo uma técnica antinaturalista de trabalho arraigada nos estudos do ator proposto por Gordon Craig (ator-marionete) e Meyerhold (biomecânica).  Nesta forma de teatro, o ator funciona como um dispositivo gerador e provocador de sensações múltiplas e pensamentos ao rejeitar qualquer tipo de informação analítica explicita ou linguagem normativa. O teatro de Wilson é um dispositivo gerador de múltiplas linguagens cênicas em que os elementos são apresentados como unidades artísticas autônomas, pois como coloca Galízia, Wilson insiste em que o público precisa desenvolver outras percepções, já que é o público que quem passa a participar criativamente do viver artístico com sua própria imaginação, completando, assim, o espetáculo (2009). 
Assim, na obra de Wilson, há criações de espaços de vazios (zen budista) que faz com que o espectador saia de uma lógica de consumação das imagens, da sociedade de espetáculo, e entre em outra dimensão perceptiva e fenomenológica da obra, outras camadas são reveladas no campo ilógico. Em que o espectador é construtor de sua própria leitura. O ator deixa o espectador projetar suas emoções nele, pois a emoção está no público. É como se o atuador assumisse uma máscara autobiográfica e neutra que deixasse o espectador projetar suas emoções nele.
Neste tipo de evento, as camadas de justaposição faz com que o espectador crie sua leitura sobre o fenômeno assistido, pois as obras de Bob Wilson, assim como as obras de Pina Bausch, a dimensão semiológica nunca está fechada, mas sempre passível de ser interpretado sobre vários prismas, pois “o teatro de Wilson é um teatro das metamorfoses” (LEHMANN, 2007, p. 129). 
É um teatro provocador de sensações que tira o espectador da zona de conforto passiva colocando-o em zonas autônomas temporárias fazendo-o pensar por via das emoções, uma vez que, “a resposta é emocional ao invés de racional” (WILSON apud GALÍZIA, 2011).  As ideias de Wilson talvez bebam em raízes surrealistas, abrindo fissuras de tempo e espaço na recepção do espectador, o levando para outros estágios que a mente não pode semiotizar de forma rápida e precisa, mas apenas possível de ser entendida no universo onírico, dos sonhos, deslocando os hábitos perceptivos do espectador educado pela indústria cultural ou cultural de massa. Solicitando ao espectador um novo tipo de atitude para compreender o universo "Wilsiano”.
Neste sentido, os espetáculos de Wilson estão presente momento de respiração, pausa, suspensão para que o espectador tenha tempo de penetrar em estados de epifânia, de delírios. É uma suspensão do fluxo de vida para gerar novos modos de percepção no espectador com caminhos dissociativos que possibilita zonas autônomas de subjetividade para plateia. De acordo com Lehmann (2007, p.12) Wilson é o artista capaz de suscitar “uma experiência abissal da metamorfose” ao tornar a realidade possível por meio de dimensões sensíveis da arte, gerando política da percepção (LEHMANN, 2007, p.424).
A obra de arte total em Robert Wilson
A obra de arte total (Gesamtkunstwerk) é um conceito formulado por Richard Wagner no final do século XIX que influenciou fortemente o teatro do século XX, e ainda hoje é considerado um das primeiras referencias consolidadas da ideia de síntese da fusão de diversas formas artísticas. É um caminho interdisciplinar que se utiliza de várias linguagens (música, dança, teatro), e que se integram de forma harmoniosa com finalidade de chegar a um espetáculo total, a uma unidade, a uma consumação da experiência, como coloca Dewey em Arte como experiência (2010). Esta ideia de obra de arte total também está presente em Bob Wilson só que o fenômeno teatral proposto por ele não se compõem de forma harmônica, linear, pois o seu processo de composição das linguagens se dá por justaposição, por linguagem, como acontece em Einstein on The Beach (1976), e em outros trabalhos de Wilson.

Gesamtkunstwerk significa apenas um “trabalho de arte total” e, no caso de Wilson, não exatamente como Richard Wagner a entendia. Wilson não está interessado somente numa fusão das artes [...]. Ao invés de fusão Wilson engendra uma justaposição de modos diferentes da expressão humana. [...]. Wilson simplifica os elementos do espetáculo de modo a fazê-lo emergir como unidades artísticas autônomas. [...]. De fato, ao invés do resultado constituir-se na expressão de uma só linguagem artística, com todas as modalidades convergindo para moldar um único significado, o que transpira, nas peças de Wilson, é uma multiplicidade de linguagens, frequentemente divergentes em significados [...]. É este novo conceito de unidade, não mais caracterizado por sucessão, por transição, mas por justaposição, ou mesmo por superposição, que caracteriza o Gesamtkunstwerk de Robert Wilson (GALIZIA, 2011, p. XXXIV- XXXV).

Dessa forma, a ideia de teatro total que retoma à Gesamtkunstwerk wagneriana tem outros significados nas obras de Robert Wilson, Taudez Kantor, Pina Bausch. Se para Wagner a ideia de obra de arte total implica na fusão das artes no interior do espetáculo, nas obras de Wilson, Pina Bausch, Kantor, José Celso Martinez Corrêa a ideia de obra de arte total não implica na homogeneidade da obra, por mais que a obra seja uma unidade com zonas de complexidades, não faz com que ela seja homogênea, mas os elementos de cena são independentes e garante autonomia polifônica de diversos discursos cênicos, então a dimensão polifônica é uma característica que marca a obra de alguns encenadores do teatro contemporâneo, como é o caso de Wilson onde as linguagens artísticas coexistem autônomas em absoluto contraponto.
Como as partes são autônomas podemos tentar dizer que as camadas das obras falam por si só, ou seja, elas não precisam uma das outras para ser entendidas, pois podem ser lidas e interpretadas como linguagens autônomas. Em Wilson se encontra uma constelação da hierarquia dos meios teatrais, que está ligada à ausência de ação em seu teatro. Na maior parte das vezes não há personagens psicologicamente elaborados nem individualizados em um contexto cênico coerente (como em Kantor), mas apenas figuras que agem como emblemas incompreensíveis (LEHMANN, 2007, p. 131).
As imagens de Wilson parecessem evocar direta ou indiretamente referencias de sua vida, sejam elas históricas, religiosas, literárias ou mitos pessoais como acontece com algumas figuras de cena onde ele traz como “pano de fundo” membros de sua família que pertencem a cosmos imaginativos. É quase uma lógica da criança, do indizível, mas que pode ser sentido. Uma infância, uma experiência de vida, onde o corpo é problematizado em cena de forma ilógica, levando o espectador para um espaço dos sonhos, para territórios desconhecidos de sua imaginação. Arte e vida.
Portanto, observa-se ao usar o “modelo de encenação Wilsiano” como método de ensino de teatro abre possibilidades para o atuante compreender o fenômeno teatral a partir do efeito de disjunção das linguagens, entendendo outras camadas estéticas que estão presentes no teatro de Robert Wilson. Assim, a dramaturgia de imagens é um caminho para se pensar no ensino de teatro não restrito a arte do ator, mas a partir de outras formas cênicas que possibilita ao atuante conhecer dimensões do espetáculo, ou seja, a arquitetura da cena como um todo. Assim, a experiência vivenciada em sala de ensaio, me retirou da zona de conforto, fazendo com que eu assumisse novas funções na prática cênica aprofundando alguns conceitos que estão presente no teatro de Robert Wilson.



Referência
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
GALIZIA, Luiz Roberto. Os Processos Criativos de Robert Wilson: Trabalhos de Arte Total para o Teatro Americano Contemporâneo. São Paulo: Perspectiva, 2011.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Trad. Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify, 2007.



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

ROBERT WILSON

Protocolo

Por Célia Gouvêa

           A forma não se submete nem é inferior ao conteúdo. É um padrão existente em todas as coisas. Formal passou a opor-se a psicológico. No programa da última versão da ópera Macbeth apresentada em São Paulo em Novembro de 2012 no Teatro Municipal, o diretor Robert Wilson principia seu artigo com as palavras “Meu Teatro é um Teatro Formal”. “O teatro de Bali, o Katakali indiano, a ópera de Pequim, ou o teatro Nô do Japão são todos formais, ao passo que na cultura ocidental, como disse André Malraux, o teatro foi circunscrito pela literatura” (2012, p. 17).
        Hans Thies Lehmann, ao  referir-se à  dramaturgia visual de Robert Wilson, cita palavras do próprio criador: “O formalismo significa : observar as coisas à distância ; como um pássaro que, do galho de sua árvore, contempla a extensão do universo – diante dele se estende o infinito no qual ele pode entretanto reconhecer a estrutura temporal e espacial”. (Apud Keller, Holm.Robert Wilson. Regie im Theatre, Francfort/Main. 1997, p. 105 et s ) – tradução nossa.
        Outro aspecto relevante na precisa concepção cênica imagética de Wilson foi apontado por Luiz Roberto Galizia, em “Os Processos Criativos de Robert Wilson” : uma proximidade de relacionamento entre o pensamento consciente e  o inconsciente: “Abrigou a surpresa, o humor, a ambigüidade e as imprevisíveis associações do sonho”.
( GALIZIA, 1986, p. XXXVI ). O autor aponta ainda o recurso à simultaneidade e observa: “ ele aguça a sensibilidade do espectador através de dois recursos adicionais : (1) esticando o tempo de contato do espectador com a informação dada e (2) concentrando a atenção do mesmo para os níveis mais subliminares da informação, rejeitando tanto o contexto quanto qualquer informação analítica explícita ( GALIZIA, 1986, p. 17).
     A abordagem metodológica do professor Bulhões consistiu em principiar as aulas por um aquecimento corporal, propondo variações rítmicas e  diferenças de planos e espaços, com os olhos abertos ou fechados. Formações em grupos, com a presença de um líder, foram também incluídas. A seguir, em disposição circular, cada participante propôs um movimento executado pelos demais colegas, a partir de observações de vídeos das montagens de Robert Wilson. e através do procedimento de selecionar determinadas imagens. O professor solicitou também a preparação em casa de storyboards, ou textos ilustrados com três desenhos, contendo começo, meio e fim.
     A primeira proposta foi a de elaborar um roteiro cênico que partisse da imagem de um sonho recorrente, por meio de um processo pessoal e não de uma imagem projetada pelo dramaturgo. Propus personagem que manuseia colheres compridas ora como arma, ora como enfeites para o cabelo. A mulher foi bem aproveitada na direção realizada pelo colega Evaldo Mocarzel, que incluiu também duas velhas, representadas por outras colegas, que levavam a xícara à boca exatamente no mesmo ritmo, a exemplo do que ocorre em “Uma carta para a rainha Vitória”, dirigida por Wilson.
     A proposta seguinte consistiu em partir de uma cena de algum autor e colocar em cena como Wilson o faria. Uma colega ( Patrícia)  foi designada como diretora e os demais como atuantes. Reunindo elementos trazidos pelos colegas, uma cena foi montada em palco que contava com um plano superior, que foi aproveitado.
       A coralidade em Robert Wilson foi igualmente tratada  pelo professor.

Bibliografia:

GALIZIA, Luiz Roberto. Os Processos Criativos de Robert Wilson. São Paulo : Editora Perspectiva, 1986.
LEHMANN, Hans-Thies. Le Théâtre postdramatique. Paris : L´ARCHE Éditeur, 2002.