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sexta-feira, 19 de julho de 2013

ROBERT WILSON: Por meio das aulas de Marcos Bulhões
ECA USP - ano 2013

Renato Sergio Sampaio

Desde os anos 1960, as produções de Robert Wilson decisivamente têm moldado a aparência do teatro e da ópera. Através da utilização da assinatura de luz, suas investigações sobre a estrutura de um simples movimento, e do rigor clássico de sua concepção cênica e mobiliário, Wilson tem continuamente articulada a força e a originalidade de sua visão. Colaborações com artistas de renome, escritores e músicos continuam a fascinar o público em todo o mundo. Para Renato Cohen, Bob Wilson é um artista que conseguiu sintetizar e colocar em obra grande parte da criação artística do século XX. (SAMPAIO, 2012, pg.89)
           

Nas aulas do Professor Marcos Aurélio Bulhões Martins tive um contato mais profundo com Bob. Marcos Bulhões fala com propriedade e nos ensina a entender o pensamento de Bob Wilson e sua influência nas diversas peças teatrais de vários autores atuais. Não é porque venho das artes visuais que digo que Bob é um pintor dos palcos, mas é que eu vejo em sua expressão de arte total, uma justaposição plástica. Certo que Bob conta com músicos em parceria, como seu melhor parceiro Philip Glass, e que utiliza música como obra teatral. Também é certo que Bob é dançarino e a dança traz uma visualidade inerente. Na verdade Bob Wilson é um artista total: plásticas e visuais em cena são criadas por ele e também em parcerias; músicas em parceria e dirigidas por ele também; danças por ele e por dançarinos atores; atores e performers. O que é que não tem em uma obra de Bob Wilson? Em se tratando de arte, não há nada que não tenha. Arte e tecnologia, esculturas, arquiteturas, desenhos, vídeos. Não há espaço aqui para dizer tudo o que uma obra de Bob Wilson é em termos de linguagem artística.
O que vi na primeira aula é que Bob é um artista total, de múltiplas linguagens em justaposição. Não creio que ele seja polivalente em Arte, pois acho que sua inteligência artística se dá em alto grau devido ao teatro, onde é possível sua existência. Outros pontos importantes da aula foram: conhecer sobre o processo da construção dramatúrgica em conjunto; entender o ator como dramaturgo e colaborador; perceber o ator no papel de diretor e o experimentar cortar cenas propostas por colegas atores - colocar uma cadeira em determinado local subentende-se dizer não as outras possibilidades; ser diretor é dizer não e isso deve ser entendido pelo grupo; workshop do ator: o ator apresenta sua criação e oferece esta possibilidade ao diretor que pode comprar a idéia ou não - ótimo exercício de criação em conjunto e de formação de "banco de idéias" para dramaturgia; roteiros cênicos imagéticos como banco de dados.

No segundo dia de aula de Bob, assistimos ao filme 
Absolute Wilson, filme que narra a vida e as criações Robert Wilson, as experiências da infância e a beleza assombrosa de suas obras monumentais, incluindo "Deafman Glance", "Einstein on the Beach" e "The Civil Wars." O filme apresenta uma série de admiradores, amigos e críticos, entre eles o músico David Byrne, a escritora falecida Susan Sontag, o compositor Phillip Glass e a cantora Jessye Norman, entre outros que acrescentam ao filme um sabor especial de que Bob é cercado de amigos com excelência profissional. Como é importante trabalhar em conjunto e com profissionais de nível criativo e responsabilidade. Nesta aula percebi que Bob é severamente perfeccionista com as obras. Cada detalhe é pensado com capricho e têm a sua estética, a sua marca sensível. Bob também costuma criar vazios em cena na intenção de que este vazio seja preenchido pelo espectador. Vi também que a dança de Bob Wilson por ele mesmo é muito maravilhosa de boa! Não havia percebido até então que a dança é forte nele. Adorei sue jeito de dançar e sua coreografia. Bob cuida muito bem do corpo e diz que para se trabalhar é preciso estar bem com o corpo, se sentir bem com ele. O filme também mostra Bob trabalhando com gente gorda, crianças, surdos, cegos e mudos. Gente de todo o mundo é interessante para ele devido a diversidade cultural, tanto na visualidade que cada cultura traz como nos movimentos e expressões sonoras. Ele tem um encantamento por diversas formas humanas de expressão. Não somente humana, é claro, ele também traz uma cena teatral que chamamos de “cena paisagem”.

Na terceira aula em diante iniciamos a prática. Foi um tanto difícil executar os movimentos propostos pelos alunos colegas porque há uma exigência física corporal em “fazer Bob Wilson” que dói o corpo e que também há uma exigência emocional pois controlar qualquer expressão é uma atitude que passa pelos sentimentos. Assim, a aula fez eu refletir sobre a colocação do corpo em cena a fim de deixar que o público coloque sentimento nele. Não há expressão pronta, mas sim o corpo em ação e permissivo as infinitas possibilidades de preenchimento emocional.

Outro fator marcante da aula foi o entendimento da luz que sai do nosso corpo e se projeta na platéia. Esta luz, dúvida de alguns cientistas ainda, está no corpo do ator e este tem por técnica projetar, direcionar esta luz para onde quiser ou puder. Para mim esta luz é claramente sentida, percebida em muitas instâncias e procurei então praticar esta projeção. Acredito que esta luz pode crescer ainda mais com o tempo de experiência que do ator e que sua projeção se dê cada vez mais em latitude e longitude, ampliando assim o poder de causar sentidos ao público. A aula parece que passou mais rápido este dia e ela termina com apresentações dos três grupos formados em aula e dirigidos por alunos que escolheram ser diretor na ocasião. Gostaria de ter me visto em cena. 

Algo importante sobre o referencial teórico é a Gesamtkunstwerk, do alemão que, na tradução exata, significa “fábrica de arte global”.

Gesamtkunstwerk significa apenas um “trabalho de arte total” e, no caso de Wilson, não exatamente como Richard Wagner a entendia. Wilson não está interessado somente numa fusão das artes, nem como quer um de seus críticos, no “harmonioso entrelaçamento de gêneros em que a canção e recitativo, música, arquitetura e pintura unem-se numa só forma visando a purificação da Obra de Arte” (VICKY ALLIATA, org., Einstein on the Beach, por Vicky Alliata, New York, EOS Enterprises Inc., 1976, p.8). Ao invés de fusão, Wilson engendra uma justaposição de modos diferentes da expressão humana. Onde Wagner rejeitou árias e recitativos para fundir música e canção evitando, assim, qualquer interrupção ou divisão no desenrolar da ópera, Wilson simplifica os elementos do espetáculo de forma a fazê-lo emergir como unidades artísticas autônomas. (GALIZIA, 2011, p.34)


Wilson procura em suas peças apresentar uma multiplicidade de linguagens artísticas e não uma fusão. A fusão das linguagens traria uma arte híbrida e inteiramente nova. Fundir é por fogo, derreter e mudar, metaformosear linguagens num mesmo caldeirão e o sumo resultante dá uma linguagem inteiramente nova, híbrida, como um casal de arte que tem um filho de arte nova. Mas trabalha no palco as unidades artísticas e juntas, justapostas, dando na unidade artística, que é um único espetáculo, uma única experiência artística.



É este novo conceito de unidade, não mais caracterizado por sucessão, por transição, mas por justaposição, ou mesmo por superposição, que se caracteriza o Gesamtkunstwerk de Robert Wilson. (GALIZIA, 2011, p.35)


Interessante saber que Wilson é formado bacharelado em Belas Artes e trabalhou com crianças com problemas mentais e grupos de teatro infantil. Estudou pintura com George McNeil em Paris e que trabalhou por um ano com o arquiteto Paolo Solari no Arizona (DELGADO, 1999, p.531). Importante entender que Wilson rejeitava as facetas mais conservadoras da prática do teatro e enfatizava a qualidade pictórica da composição de palco, trabalhava com atores alternativos, incluindo autistas e crianças com danos cerebrais em seus espetáculos a fim de mostrar uma visão múltipla de atuação.  Gostaria de citar aqui uma fala de Louis Aragon sobre a obra de Bob:


“Eu nunca vi nada mais bonito no mundo desde que eu nasci. Nunca, nunca uma peça chegou tão perto desta, porque é ao mesmo tempo vida desperta e vida de olhos fechados, a confusão entre a vida de todos os dias e a vida da cada noite, a realidade se mistura ao sonho, tudo aquilo que é inexplicável na vida de um homem morto... Bob Wilson é... surrealista através do silêncio – é o casamento de gestos e silêncios, de movimento e do inefável”. (Louis Aragon, “An Open Letter to André Breton on Robert Wilson’s Deafman Glance”, Performing Arts Journal, primavera de 1976, pp. 6-7) 

Abaixo, frases de Robert Wilson tiradas de uma entrevista que ele deu no dia 1° de maio de 1995 a Ariel Goldenberg na famosa casa de ópera de Paris, denominada Ópera de Bastilha.

“Eu vejo tudo como um trabalho único, eu sou um artista.”

“Com certeza, há sempre interpretação. Apenas não insistimos em um ponto de vista. Não existe nada de errado em interpretar, mas nós não devemos insistir, essa é a pura verdade.”

“Eu acho que sempre comecei com o corpo, para mim o corpo é o nosso recurso. Eu começo primeiro com o corpo.”

“Eu faço desenhos e diagramas. Nós falamos a respeito e eu transformo isso em uma estrutura. Depois, eu a preencho mais intuitivamente.”

“É um arranjo arquitetônico no tempo e no espaço e dá no mesmo se você tiver ou se você não tiver atores. Uma luz se move e é ritmo, é uma construção no tempo e no espaço. Isto é o que eu considero arquitetura, a construção de algo, seja Mozart, Wagner ou Shakespeare.”

“Não existe só uma maneira de se aprender. Algumas pessoas aprendem melhor através de um ambiente estruturado, outras aprendem mais em um ambiente livre e isto é muito diferente para cada indivíduo.”

Penso sobre a didática atual nas escolas de Educação Básica, em que temos somente um único jeito de dar aulas que é nas salas de aula, com um diretor observando as atitudes dos professores e alunos, corrigindo as ações pedagógicas ao seu modo. Isso é terrível para a educação e mais terrível ainda para a educação artística. O medo da perda de controle por parte dos diretores faz com que o aluno acredite que não seja capaz de aprender algo na escola. Os alunos são descrentes em aprender algo realmente bom para a vida na sala de aula. O diretor da escola nunca é um bom modelo para o aluno e o sistema de ensino é desagradável porque coloca o aluno em uma posição de vítima e de compreendedor de que somente aquilo é que é possível ser feito. O professor a mesma coisa. Põe-se como vítima de um sistema imutável e desiste de causar mudanças por esgotar seus clamores ao diretor que também não pode fazer nada para mudar porque o ministério não permite. Somente um jeito de ser escola não é viável para uma melhor educação. Está aí Bob falando sobre aprendizado.

REFERÊNCIAS
DELGADO, M. Maria; HERITAGE, Paul. Diálogos no palco: 26 diretores falam de teatro. São Paulo: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1999.
GALIZIA, Luiz Roberto. Os Processos Criativos de Robert Wilson - Trabalhos de Arte Total para o Teatro Americano Contemporâneo. São Paulo: Perspectiva, 2011.
SAMPAIO, Renato Sergio. Compreendendo o Ensino/Aprendizagem da Videoperformance – relato de uma experiência. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Protocolo Robert Wilson II

Por Evaldo Mocarzel

          O primeiro passo foi o exercício da escuta: todas as pessoas do meu grupo expuseram seus roteiros cênicos e as figuras que trouxeram da própria infância, essas últimas, em sua maioria, esboços gestualizados de “personagens” idosos que marcaram a vida de todos quando crianças: avô, avó e ainda um amigo da família muito carinhoso, mas que, por ser soropositivo, vivia a dualidade entre dar-se e, ao mesmo tempo, reprimir os próprios arroubos de afeto. 
          O segundo passo foi o exercício do desapego, uma prática necessária e vital nas criações coletivas através do chamado “processo colaborativo”, dispositivo muito recorrente entre os grupos de teatro de São Paulo. Nessa segunda etapa, descartamos as ideias que não eram exequíveis num exercício prático meteórico em sala de aula, com um tempo tão curto para a sua realização. Optamos pelo possível, mas também por tudo aquilo que tinha organicidade com o conceito do que seria experimentado: a criação de uma cena construída a partir da linguagem e do pensamento do encenador norte-americano Robert Wilson.
          É interessante comentar que de algum modo eu canalizei nessa experiência (e em outros exercícios dentro da mesma disciplina) uma longa vivência que tive documentando processos colaborativos de grupos como Teatro da Vertigem, Os Fofos Encenam, Companhia Livre, Os Satyros, Grupo XIX de Teatro, Teatro Kunyn e Companhia Estável, entre outros. Em alguns casos, também participei como dramaturgo, como no espetáculo “Kastelo” (Vertigem) e “Satyricon” (Satyros). Fiz um documentário sobre os 10 anos da Companhia Livre e passei seis semanas dentro do TUSP, onde o grupo reconstituiu todos os seus espetáculos através de leituras dramáticas. Entre os debates realizados, um deles focalizou justamente o processo colaborativo, do qual participaram nomes como os encenadores Antonio Araújo e Cibele Forjaz, e os dramaturgos Luís Alberto de Abreu e Fernando Bonassi. Toda essa experiência, como já disse, de algum modo tem desaguado na disciplina ministrada pelo professor Marcos Bulhões, sobretudo nos exercícios práticos que temos realizado ao longo do curso. Especificamente nessa prática voltada para o pensamento de Robert Wilson, toda essa vivência documental e dramatúrgica com os grupos antes mencionados veio à tona na minha cabeça quando estava buscando um caminho para a direção a partir das imagens e das figuras cênicas trazidas pelos meus colegas de grupo. 
          Como diretor, fui o primeiro a abandonar os roteiros cênicos que havia trazido e direcionei a experimentação lúdica o tempo todo com o olhar do dramaturgo que me habita. Alguém sugeriu que fossem realizados quatro solos, mas confesso que busquei uma espécie de “coralidade” entre os membros do meu grupo, pois acredito que o contracenar tem sempre muita potência cenicamente, embora aprecie solos, monólogos e solilóquios. 
          Na verdade, o ponto de partida de tudo, a protogênese do nosso processo foi uma camada que já decantou dentro de mim nesse curso ministrado pelo professor Marcos Bulhões: Pina Bausch. A grande coreógrafa e encenadora alemã pedia a seus bailarinos e bailarinas que improvisassem perguntas que ela elaborava para estimulá-los a improvisar sentimentos e sensações. Depois, Pina Bausch pinçava trechos de gestualidades e os ampliava com passos coreográficos que fazem parte da caligrafia física e ao mesmo tempo anímica da dança. De algum modo, esse método de trabalho da coreógrafa alemã me orientou a organizar os esboços gestuais das figuras cênicas trazidas pelas pessoas do meu grupo e ligadas à própria infância. 
          Em seguida, a busca pela atmosfera surreal das encenações de Robert Wilson para tentar plasmar e engendrar cenicamente as imagens trazidas pelos meus colegas de grupo. Uma delas não me saía da cabeça: gêmeas siamesas tomando um líquido em xícaras com movimentos lentos e repetidos. A partir dessa primeira imagem, vislumbrei uma narrativa: uma cena cotidiana numa cozinha, mas poeticamente estranhada à maneira de Robert Wilson, ou pelo menos inspirada na surrealidade de seus espetáculos. 
          Não demorei a conectar as gêmeas siamesas com a figura trazida pela bailarina e coreógrafa Célia Gouvêa, que fazia parte do meu grupo: uma estranha mulher trazendo em suas mãos colheres compridas, que ora eram utensílios de cozinha, ora se tornavam em suas mãos grampos para ajeitar o cabelo, logo em seguida, quando reunidas, também se transformavam num punhal.
          Após conectar a estranha mulher com as gêmeas siamesas, sugeri à quarta pessoa do meu grupo para interagir com a estranha “família”, num constante ir e vir de carinho e receptividade, mas também de apreensão e recuo. Tanto em Pina Bausch quanto em Robert Wilson, a repetição é um recorrente elemento de linguagem e uma possibilidade de estranhar poeticamente a cena, distanciando o espectador, mas logo envolvendo-o num ilusionismo com uma denegação toda especial. 
          Procurei trabalhar com repetições de ações muito lentas, como Robert Wilson dilata o tempo em cena, assim como jamais deixei de ter em mente um permanente contracenar entre as figuras cênicas, como já disse. Num determinado momento, todos se encontravam no proscênio e encarnavam pessoas idosas muito plásticas, com texturas surrealistas e ainda expressionistas. 
          As marcas e “deixas” foram surgindo naturalmente das próprias ações das figuras. Procurei me apropriar de determinados detalhes para promover deslocamentos e deflagrar novas ações, sempre em busca de algum tipo de “coralidade gestual” entre as figuras cênicas, na medida em que não trabalhamos com palavras nesse exercício prático, somente imagens e gestos alentados pela música de Philip Glass para a ópera “Einstein on the Beach”, com direção de Robert Wilson. 
          O resultado final do nosso exercício prático foi, como já comentei, um fragmento de cotidiano estranhado: algo bem trivial, comezinho, mas que está sempre a nos revelar a possibilidade de algum tipo de lampejo poético, com tintas surreais, na nossa rotina de vida, sobretudo nesses novos tempos digitais, em meio a toda essa virtualidade da “sociedade do espetáculo” que nos envolve e que tanto nos sufoca. 

Protocolo Robert Wilson

Evaldo Mocarzel


          Nesse novo processo, atuei fazendo dramaturgismo. Alice Nogueira trouxe o texto “Coração”, de Heiner Muller, além de uma música do Radiohead. Uma primeira coincidência: Célia Gouvêa trouxe imagens de coração e também o texto “Old Times”, de Harold Pinter. Renato Sérgio Sampaio trouxe um soneto de Shakespeare sobre o amor. Patrícia Bertucci trouxe o poema “O Estrangeiro”, de Beaudelaire e seu ponto de partida acabou sendo o mais votado por todos. Patrícia também foi escolhida como a diretora do grupo. 
          Durante o brainstorm, surgiram muitas imagens interessantes: Medeia de Eurípedes, uma mulher projetada no chão como uma gema de ovo sendo iluminada pelo sol. Ainda figuras geométricas. Medeia começou a ganhar contornos tribais. No final dessa primeira etapa, o ponto de partida acabou sendo mesmo a figura do poeta, no caso Beaudelaire, escrevendo o seu poema “O Estrangeiro”. 
          A ideia de criar um coro carregando malas ao redor do poeta não foi adiante por questões de produção: as malas estavam trancadas e não puderem ser utilizadas na criação coletiva. No entanto, acabaram sendo incorporadas ao exercício de maneira invisível.
         Raíssa trouxe a imagem de uma espécie de deusa da beleza, com o rosto coberto por um véu, que virou uma emanação do poema, figura inatingível para o poeta, mas que o perseguia e ao mesmo tempo se afastava dele. 
          Cubos foram trazidos para o centro do palco e sobre eles, e ao redor deles, todos criaram gestos minimalistas, lentos e repetitivos inspirados em Robert Wilson. O poema foi sendo lido e os versos reverberavam nas figuras ao redor dos cubos. Uma reverberação meio dissonante, para não reiterar as imagens do poema. 
          A diretora Patrícia tem formação como arquiteta e seu olhar era de um preciosismo muito grande com relação à linha exata do coro que cruzava o palco conforme o poema era lido no alto por Alice, que encarnou em cena o poeta. No final, todos se arrastavam em direção à figura de Raíssa encarnando a beleza esquiva, inatingível, também brincalhona, deixando o poeta “estrangeiro” na própria vida. 
          Como já comentei, atuei nesse exercício como dramaturgista e procurei o tempo todo estabelecer relações entre a dramaturgia proposta e a encenação que estava sendo criada. Procurei estabelecer vínculos conceituais, dramatúrgicos com relação a todas as imagens que foram sendo criadas, em busca de algum tipo de coesão entre as figuras. Em muitos momentos, minha atuação foi de observação, mas sempre muito participativa.