ROBERT
WILSON: Por meio das aulas de Marcos Bulhões
ECA
USP - ano 2013
Renato Sergio Sampaio
Renato Sergio Sampaio
Desde os anos 1960, as produções de
Robert Wilson decisivamente têm moldado a aparência do teatro e da ópera.
Através da utilização da assinatura de luz, suas investigações sobre a
estrutura de um simples movimento, e do rigor clássico de sua concepção cênica
e mobiliário, Wilson tem continuamente articulada a força e a originalidade de
sua visão. Colaborações com artistas de renome, escritores e músicos continuam
a fascinar o público em todo o mundo. Para Renato Cohen, Bob Wilson é um artista que conseguiu
sintetizar e colocar em obra grande parte da criação artística do século XX. (SAMPAIO,
2012, pg.89)
Nas
aulas do Professor Marcos Aurélio Bulhões Martins tive um contato mais profundo
com Bob. Marcos Bulhões fala com propriedade e nos ensina a entender o
pensamento de Bob Wilson e sua influência nas diversas peças teatrais de vários
autores atuais. Não é porque venho das artes visuais que digo que Bob é um
pintor dos palcos, mas é que eu vejo em sua expressão de arte total, uma
justaposição plástica. Certo que Bob conta com músicos em parceria, como seu
melhor parceiro Philip Glass, e que utiliza música como obra teatral. Também é
certo que Bob é dançarino e a dança traz uma visualidade inerente. Na verdade
Bob Wilson é um artista total: plásticas e visuais em cena são criadas por ele
e também em parcerias; músicas em parceria e dirigidas por ele também; danças
por ele e por dançarinos atores; atores e performers. O que é que não tem em
uma obra de Bob Wilson? Em se tratando de arte, não há nada que não tenha. Arte
e tecnologia, esculturas, arquiteturas, desenhos, vídeos. Não há espaço aqui
para dizer tudo o que uma obra de Bob Wilson é em termos de linguagem
artística.
O
que vi na primeira aula é que Bob é um artista total, de múltiplas linguagens
em justaposição. Não creio que ele seja polivalente em Arte, pois acho que sua
inteligência artística se dá em alto grau devido ao teatro, onde é possível sua
existência. Outros pontos importantes da aula foram: conhecer sobre o
processo da construção dramatúrgica em conjunto; entender o ator como
dramaturgo e colaborador; perceber o ator no papel de diretor e o
experimentar cortar cenas propostas por colegas atores - colocar uma cadeira em
determinado local subentende-se dizer não as outras possibilidades; ser diretor
é dizer não e isso deve ser entendido pelo grupo; workshop do ator: o ator
apresenta sua criação e oferece esta possibilidade ao diretor que pode comprar
a idéia ou não - ótimo exercício de criação em conjunto e de formação de
"banco de idéias" para dramaturgia; roteiros cênicos imagéticos como
banco de dados.
No segundo dia de aula de Bob, assistimos ao filme Absolute Wilson, filme que narra a vida e as criações Robert Wilson, as experiências da infância e a beleza assombrosa de suas obras monumentais, incluindo "Deafman Glance", "Einstein on the Beach" e "The Civil Wars." O filme apresenta uma série de admiradores, amigos e críticos, entre eles o músico David Byrne, a escritora falecida Susan Sontag, o compositor Phillip Glass e a cantora Jessye Norman, entre outros que acrescentam ao filme um sabor especial de que Bob é cercado de amigos com excelência profissional. Como é importante trabalhar em conjunto e com profissionais de nível criativo e responsabilidade. Nesta aula percebi que Bob é severamente perfeccionista com as obras. Cada detalhe é pensado com capricho e têm a sua estética, a sua marca sensível. Bob também costuma criar vazios em cena na intenção de que este vazio seja preenchido pelo espectador. Vi também que a dança de Bob Wilson por ele mesmo é muito maravilhosa de boa! Não havia percebido até então que a dança é forte nele. Adorei sue jeito de dançar e sua coreografia. Bob cuida muito bem do corpo e diz que para se trabalhar é preciso estar bem com o corpo, se sentir bem com ele. O filme também mostra Bob trabalhando com gente gorda, crianças, surdos, cegos e mudos. Gente de todo o mundo é interessante para ele devido a diversidade cultural, tanto na visualidade que cada cultura traz como nos movimentos e expressões sonoras. Ele tem um encantamento por diversas formas humanas de expressão. Não somente humana, é claro, ele também traz uma cena teatral que chamamos de “cena paisagem”.
Na
terceira aula em diante iniciamos a prática. Foi um tanto difícil executar os
movimentos propostos pelos alunos colegas porque há uma exigência física
corporal em “fazer Bob Wilson” que dói o corpo e que também há uma exigência emocional
pois controlar qualquer expressão é uma atitude que passa pelos sentimentos.
Assim, a aula fez eu refletir sobre a colocação do corpo em cena a fim de
deixar que o público coloque sentimento nele. Não há expressão pronta, mas sim
o corpo em ação e permissivo as infinitas possibilidades de preenchimento
emocional.
Outro fator marcante da aula foi o entendimento da luz que sai do nosso corpo e se projeta na platéia. Esta luz, dúvida de alguns cientistas ainda, está no corpo do ator e este tem por técnica projetar, direcionar esta luz para onde quiser ou puder. Para mim esta luz é claramente sentida, percebida em muitas instâncias e procurei então praticar esta projeção. Acredito que esta luz pode crescer ainda mais com o tempo de experiência que do ator e que sua projeção se dê cada vez mais em latitude e longitude, ampliando assim o poder de causar sentidos ao público. A aula parece que passou mais rápido este dia e ela termina com apresentações dos três grupos formados em aula e dirigidos por alunos que escolheram ser diretor na ocasião. Gostaria de ter me visto em cena.
Algo importante sobre o referencial teórico é a Gesamtkunstwerk, do alemão que, na tradução exata, significa “fábrica de arte global”.
Gesamtkunstwerk significa apenas um
“trabalho de arte total” e, no caso de Wilson, não exatamente como Richard
Wagner a entendia. Wilson não está interessado somente numa fusão das artes,
nem como quer um de seus críticos, no “harmonioso entrelaçamento de gêneros em
que a canção e recitativo, música, arquitetura e pintura unem-se numa só forma
visando a purificação da Obra de Arte” (VICKY ALLIATA, org., Einstein on the
Beach, por Vicky Alliata, New York, EOS Enterprises Inc., 1976, p.8). Ao invés
de fusão, Wilson engendra uma justaposição de modos diferentes da expressão
humana. Onde Wagner rejeitou árias e recitativos para fundir música e canção
evitando, assim, qualquer interrupção ou divisão no desenrolar da ópera, Wilson
simplifica os elementos do espetáculo de forma a fazê-lo emergir como unidades
artísticas autônomas. (GALIZIA,
2011, p.34)
Wilson
procura em suas peças apresentar uma multiplicidade de linguagens artísticas e
não uma fusão. A fusão das linguagens traria uma arte híbrida e inteiramente
nova. Fundir é por fogo, derreter e mudar, metaformosear linguagens num mesmo
caldeirão e o sumo resultante dá uma linguagem inteiramente nova, híbrida, como
um casal de arte que tem um filho de arte nova. Mas trabalha no palco as
unidades artísticas e juntas, justapostas, dando na unidade artística, que é um
único espetáculo, uma única experiência artística.
É
este novo conceito de unidade, não mais caracterizado por sucessão, por
transição, mas por justaposição, ou mesmo por superposição, que se caracteriza
o Gesamtkunstwerk de Robert Wilson. (GALIZIA,
2011, p.35)
Interessante
saber que Wilson é formado bacharelado em Belas Artes e trabalhou com crianças
com problemas mentais e grupos de teatro infantil. Estudou pintura com George
McNeil em Paris e que trabalhou por um ano com o arquiteto Paolo Solari no
Arizona (DELGADO, 1999, p.531). Importante entender que Wilson rejeitava as
facetas mais conservadoras da prática do teatro e enfatizava a qualidade
pictórica da composição de palco, trabalhava com atores alternativos, incluindo
autistas e crianças com danos cerebrais em seus espetáculos a fim de mostrar
uma visão múltipla de atuação. Gostaria de citar aqui uma fala de Louis
Aragon sobre a obra de Bob:
“Eu nunca vi nada mais bonito no
mundo desde que eu nasci. Nunca, nunca uma peça chegou tão perto desta, porque
é ao mesmo tempo vida desperta e vida de olhos fechados, a confusão entre a
vida de todos os dias e a vida da cada noite, a realidade se mistura ao sonho,
tudo aquilo que é inexplicável na vida de um homem morto... Bob Wilson é... surrealista
através do silêncio – é o casamento de gestos e silêncios, de movimento e do
inefável”. (Louis Aragon, “An Open Letter to
André Breton on Robert Wilson’s Deafman Glance”, Performing Arts Journal,
primavera de 1976, pp. 6-7)
Abaixo, frases de Robert Wilson tiradas de uma entrevista que ele deu no dia 1° de maio de 1995 a Ariel Goldenberg na famosa casa de ópera de Paris, denominada Ópera de Bastilha.
“Eu vejo tudo como um trabalho único, eu sou um artista.”
“Com certeza, há sempre interpretação. Apenas não insistimos em um ponto de vista. Não existe nada de errado em interpretar, mas nós não devemos insistir, essa é a pura verdade.”
“Eu acho que sempre comecei com o corpo, para mim o corpo é o nosso recurso. Eu começo primeiro com o corpo.”
“Eu faço desenhos e diagramas. Nós falamos a respeito e eu transformo isso em uma estrutura. Depois, eu a preencho mais intuitivamente.”
“É um arranjo arquitetônico no tempo e no espaço e dá no mesmo se você tiver ou se você não tiver atores. Uma luz se move e é ritmo, é uma construção no tempo e no espaço. Isto é o que eu considero arquitetura, a construção de algo, seja Mozart, Wagner ou Shakespeare.”
“Não existe só uma maneira de se aprender. Algumas pessoas aprendem melhor através de um ambiente estruturado, outras aprendem mais em um ambiente livre e isto é muito diferente para cada indivíduo.”
Penso sobre a didática atual nas escolas de Educação Básica, em que temos somente um único jeito de dar aulas que é nas salas de aula, com um diretor observando as atitudes dos professores e alunos, corrigindo as ações pedagógicas ao seu modo. Isso é terrível para a educação e mais terrível ainda para a educação artística. O medo da perda de controle por parte dos diretores faz com que o aluno acredite que não seja capaz de aprender algo na escola. Os alunos são descrentes em aprender algo realmente bom para a vida na sala de aula. O diretor da escola nunca é um bom modelo para o aluno e o sistema de ensino é desagradável porque coloca o aluno em uma posição de vítima e de compreendedor de que somente aquilo é que é possível ser feito. O professor a mesma coisa. Põe-se como vítima de um sistema imutável e desiste de causar mudanças por esgotar seus clamores ao diretor que também não pode fazer nada para mudar porque o ministério não permite. Somente um jeito de ser escola não é viável para uma melhor educação. Está aí Bob falando sobre aprendizado.
REFERÊNCIAS
DELGADO,
M. Maria; HERITAGE, Paul. Diálogos no palco: 26 diretores falam de teatro. São Paulo: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1999.
GALIZIA,
Luiz Roberto. Os Processos Criativos de Robert Wilson - Trabalhos de
Arte Total para o Teatro Americano Contemporâneo. São Paulo: Perspectiva, 2011.
SAMPAIO,
Renato Sergio. Compreendendo o Ensino/Aprendizagem da
Videoperformance – relato de uma experiência. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.