Evaldo Mocarzel
Nesse novo processo, atuei fazendo dramaturgismo. Alice Nogueira trouxe o texto “Coração”, de Heiner Muller, além de uma música do Radiohead. Uma primeira coincidência: Célia Gouvêa trouxe imagens de coração e também o texto “Old Times”, de Harold Pinter. Renato Sérgio Sampaio trouxe um soneto de Shakespeare sobre o amor. Patrícia Bertucci trouxe o poema “O Estrangeiro”, de Beaudelaire e seu ponto de partida acabou sendo o mais votado por todos. Patrícia também foi escolhida como a diretora do grupo.
Durante o brainstorm, surgiram muitas imagens interessantes: Medeia de Eurípedes, uma mulher projetada no chão como uma gema de ovo sendo iluminada pelo sol. Ainda figuras geométricas. Medeia começou a ganhar contornos tribais. No final dessa primeira etapa, o ponto de partida acabou sendo mesmo a figura do poeta, no caso Beaudelaire, escrevendo o seu poema “O Estrangeiro”.
A ideia de criar um coro carregando malas ao redor do poeta não foi adiante por questões de produção: as malas estavam trancadas e não puderem ser utilizadas na criação coletiva. No entanto, acabaram sendo incorporadas ao exercício de maneira invisível.
Raíssa trouxe a imagem de uma espécie de deusa da beleza, com o rosto coberto por um véu, que virou uma emanação do poema, figura inatingível para o poeta, mas que o perseguia e ao mesmo tempo se afastava dele.
Cubos foram trazidos para o centro do palco e sobre eles, e ao redor deles, todos criaram gestos minimalistas, lentos e repetitivos inspirados em Robert Wilson. O poema foi sendo lido e os versos reverberavam nas figuras ao redor dos cubos. Uma reverberação meio dissonante, para não reiterar as imagens do poema.
A diretora Patrícia tem formação como arquiteta e seu olhar era de um preciosismo muito grande com relação à linha exata do coro que cruzava o palco conforme o poema era lido no alto por Alice, que encarnou em cena o poeta. No final, todos se arrastavam em direção à figura de Raíssa encarnando a beleza esquiva, inatingível, também brincalhona, deixando o poeta “estrangeiro” na própria vida.
Como já comentei, atuei nesse exercício como dramaturgista e procurei o tempo todo estabelecer relações entre a dramaturgia proposta e a encenação que estava sendo criada. Procurei estabelecer vínculos conceituais, dramatúrgicos com relação a todas as imagens que foram sendo criadas, em busca de algum tipo de coesão entre as figuras. Em muitos momentos, minha atuação foi de observação, mas sempre muito participativa.
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