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domingo, 25 de agosto de 2013

Robert Wilson

Rodrigo Severo 
Ao problematizar o “modelo de encenação de Robert Wilson” (dramaturgia das imagens) como procedimento metodológico para o ensino de teatro, pode possibilitar ao atuador pensar o teatro como uma engenharia cênica composta por diversas camadas e funções. Neste caminho pedagógico, o participante, inserido no processo, pode expressar-se de outras formas cênicas que não estejam completamente subordinadas à arte do ator. Nesta perspectiva, elaborar uma dramaturgia visual é uma tarefa complexa e lúdica que apresenta visões de mundo e concepções cênicas, podendo dialogar com os integrantes envolvidos num processo de criação teatral. Então, tal recurso, pode ser bastante interessante para se trabalhar novos modos de atuação do ator.
No teatro de Bob Wilson, o trabalho do atuante está em oposição ao teatro naturalista, desenvolvendo uma técnica antinaturalista de trabalho arraigada nos estudos do ator proposto por Gordon Craig (ator-marionete) e Meyerhold (biomecânica).  Nesta forma de teatro, o ator funciona como um dispositivo gerador e provocador de sensações múltiplas e pensamentos ao rejeitar qualquer tipo de informação analítica explicita ou linguagem normativa. O teatro de Wilson é um dispositivo gerador de múltiplas linguagens cênicas em que os elementos são apresentados como unidades artísticas autônomas, pois como coloca Galízia, Wilson insiste em que o público precisa desenvolver outras percepções, já que é o público que quem passa a participar criativamente do viver artístico com sua própria imaginação, completando, assim, o espetáculo (2009). 
Assim, na obra de Wilson, há criações de espaços de vazios (zen budista) que faz com que o espectador saia de uma lógica de consumação das imagens, da sociedade de espetáculo, e entre em outra dimensão perceptiva e fenomenológica da obra, outras camadas são reveladas no campo ilógico. Em que o espectador é construtor de sua própria leitura. O ator deixa o espectador projetar suas emoções nele, pois a emoção está no público. É como se o atuador assumisse uma máscara autobiográfica e neutra que deixasse o espectador projetar suas emoções nele.
Neste tipo de evento, as camadas de justaposição faz com que o espectador crie sua leitura sobre o fenômeno assistido, pois as obras de Bob Wilson, assim como as obras de Pina Bausch, a dimensão semiológica nunca está fechada, mas sempre passível de ser interpretado sobre vários prismas, pois “o teatro de Wilson é um teatro das metamorfoses” (LEHMANN, 2007, p. 129). 
É um teatro provocador de sensações que tira o espectador da zona de conforto passiva colocando-o em zonas autônomas temporárias fazendo-o pensar por via das emoções, uma vez que, “a resposta é emocional ao invés de racional” (WILSON apud GALÍZIA, 2011).  As ideias de Wilson talvez bebam em raízes surrealistas, abrindo fissuras de tempo e espaço na recepção do espectador, o levando para outros estágios que a mente não pode semiotizar de forma rápida e precisa, mas apenas possível de ser entendida no universo onírico, dos sonhos, deslocando os hábitos perceptivos do espectador educado pela indústria cultural ou cultural de massa. Solicitando ao espectador um novo tipo de atitude para compreender o universo "Wilsiano”.
Neste sentido, os espetáculos de Wilson estão presente momento de respiração, pausa, suspensão para que o espectador tenha tempo de penetrar em estados de epifânia, de delírios. É uma suspensão do fluxo de vida para gerar novos modos de percepção no espectador com caminhos dissociativos que possibilita zonas autônomas de subjetividade para plateia. De acordo com Lehmann (2007, p.12) Wilson é o artista capaz de suscitar “uma experiência abissal da metamorfose” ao tornar a realidade possível por meio de dimensões sensíveis da arte, gerando política da percepção (LEHMANN, 2007, p.424).
A obra de arte total em Robert Wilson
A obra de arte total (Gesamtkunstwerk) é um conceito formulado por Richard Wagner no final do século XIX que influenciou fortemente o teatro do século XX, e ainda hoje é considerado um das primeiras referencias consolidadas da ideia de síntese da fusão de diversas formas artísticas. É um caminho interdisciplinar que se utiliza de várias linguagens (música, dança, teatro), e que se integram de forma harmoniosa com finalidade de chegar a um espetáculo total, a uma unidade, a uma consumação da experiência, como coloca Dewey em Arte como experiência (2010). Esta ideia de obra de arte total também está presente em Bob Wilson só que o fenômeno teatral proposto por ele não se compõem de forma harmônica, linear, pois o seu processo de composição das linguagens se dá por justaposição, por linguagem, como acontece em Einstein on The Beach (1976), e em outros trabalhos de Wilson.

Gesamtkunstwerk significa apenas um “trabalho de arte total” e, no caso de Wilson, não exatamente como Richard Wagner a entendia. Wilson não está interessado somente numa fusão das artes [...]. Ao invés de fusão Wilson engendra uma justaposição de modos diferentes da expressão humana. [...]. Wilson simplifica os elementos do espetáculo de modo a fazê-lo emergir como unidades artísticas autônomas. [...]. De fato, ao invés do resultado constituir-se na expressão de uma só linguagem artística, com todas as modalidades convergindo para moldar um único significado, o que transpira, nas peças de Wilson, é uma multiplicidade de linguagens, frequentemente divergentes em significados [...]. É este novo conceito de unidade, não mais caracterizado por sucessão, por transição, mas por justaposição, ou mesmo por superposição, que caracteriza o Gesamtkunstwerk de Robert Wilson (GALIZIA, 2011, p. XXXIV- XXXV).

Dessa forma, a ideia de teatro total que retoma à Gesamtkunstwerk wagneriana tem outros significados nas obras de Robert Wilson, Taudez Kantor, Pina Bausch. Se para Wagner a ideia de obra de arte total implica na fusão das artes no interior do espetáculo, nas obras de Wilson, Pina Bausch, Kantor, José Celso Martinez Corrêa a ideia de obra de arte total não implica na homogeneidade da obra, por mais que a obra seja uma unidade com zonas de complexidades, não faz com que ela seja homogênea, mas os elementos de cena são independentes e garante autonomia polifônica de diversos discursos cênicos, então a dimensão polifônica é uma característica que marca a obra de alguns encenadores do teatro contemporâneo, como é o caso de Wilson onde as linguagens artísticas coexistem autônomas em absoluto contraponto.
Como as partes são autônomas podemos tentar dizer que as camadas das obras falam por si só, ou seja, elas não precisam uma das outras para ser entendidas, pois podem ser lidas e interpretadas como linguagens autônomas. Em Wilson se encontra uma constelação da hierarquia dos meios teatrais, que está ligada à ausência de ação em seu teatro. Na maior parte das vezes não há personagens psicologicamente elaborados nem individualizados em um contexto cênico coerente (como em Kantor), mas apenas figuras que agem como emblemas incompreensíveis (LEHMANN, 2007, p. 131).
As imagens de Wilson parecessem evocar direta ou indiretamente referencias de sua vida, sejam elas históricas, religiosas, literárias ou mitos pessoais como acontece com algumas figuras de cena onde ele traz como “pano de fundo” membros de sua família que pertencem a cosmos imaginativos. É quase uma lógica da criança, do indizível, mas que pode ser sentido. Uma infância, uma experiência de vida, onde o corpo é problematizado em cena de forma ilógica, levando o espectador para um espaço dos sonhos, para territórios desconhecidos de sua imaginação. Arte e vida.
Portanto, observa-se ao usar o “modelo de encenação Wilsiano” como método de ensino de teatro abre possibilidades para o atuante compreender o fenômeno teatral a partir do efeito de disjunção das linguagens, entendendo outras camadas estéticas que estão presentes no teatro de Robert Wilson. Assim, a dramaturgia de imagens é um caminho para se pensar no ensino de teatro não restrito a arte do ator, mas a partir de outras formas cênicas que possibilita ao atuante conhecer dimensões do espetáculo, ou seja, a arquitetura da cena como um todo. Assim, a experiência vivenciada em sala de ensaio, me retirou da zona de conforto, fazendo com que eu assumisse novas funções na prática cênica aprofundando alguns conceitos que estão presente no teatro de Robert Wilson.



Referência
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
GALIZIA, Luiz Roberto. Os Processos Criativos de Robert Wilson: Trabalhos de Arte Total para o Teatro Americano Contemporâneo. São Paulo: Perspectiva, 2011.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Trad. Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify, 2007.



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

ROBERT WILSON

Protocolo

Por Célia Gouvêa

           A forma não se submete nem é inferior ao conteúdo. É um padrão existente em todas as coisas. Formal passou a opor-se a psicológico. No programa da última versão da ópera Macbeth apresentada em São Paulo em Novembro de 2012 no Teatro Municipal, o diretor Robert Wilson principia seu artigo com as palavras “Meu Teatro é um Teatro Formal”. “O teatro de Bali, o Katakali indiano, a ópera de Pequim, ou o teatro Nô do Japão são todos formais, ao passo que na cultura ocidental, como disse André Malraux, o teatro foi circunscrito pela literatura” (2012, p. 17).
        Hans Thies Lehmann, ao  referir-se à  dramaturgia visual de Robert Wilson, cita palavras do próprio criador: “O formalismo significa : observar as coisas à distância ; como um pássaro que, do galho de sua árvore, contempla a extensão do universo – diante dele se estende o infinito no qual ele pode entretanto reconhecer a estrutura temporal e espacial”. (Apud Keller, Holm.Robert Wilson. Regie im Theatre, Francfort/Main. 1997, p. 105 et s ) – tradução nossa.
        Outro aspecto relevante na precisa concepção cênica imagética de Wilson foi apontado por Luiz Roberto Galizia, em “Os Processos Criativos de Robert Wilson” : uma proximidade de relacionamento entre o pensamento consciente e  o inconsciente: “Abrigou a surpresa, o humor, a ambigüidade e as imprevisíveis associações do sonho”.
( GALIZIA, 1986, p. XXXVI ). O autor aponta ainda o recurso à simultaneidade e observa: “ ele aguça a sensibilidade do espectador através de dois recursos adicionais : (1) esticando o tempo de contato do espectador com a informação dada e (2) concentrando a atenção do mesmo para os níveis mais subliminares da informação, rejeitando tanto o contexto quanto qualquer informação analítica explícita ( GALIZIA, 1986, p. 17).
     A abordagem metodológica do professor Bulhões consistiu em principiar as aulas por um aquecimento corporal, propondo variações rítmicas e  diferenças de planos e espaços, com os olhos abertos ou fechados. Formações em grupos, com a presença de um líder, foram também incluídas. A seguir, em disposição circular, cada participante propôs um movimento executado pelos demais colegas, a partir de observações de vídeos das montagens de Robert Wilson. e através do procedimento de selecionar determinadas imagens. O professor solicitou também a preparação em casa de storyboards, ou textos ilustrados com três desenhos, contendo começo, meio e fim.
     A primeira proposta foi a de elaborar um roteiro cênico que partisse da imagem de um sonho recorrente, por meio de um processo pessoal e não de uma imagem projetada pelo dramaturgo. Propus personagem que manuseia colheres compridas ora como arma, ora como enfeites para o cabelo. A mulher foi bem aproveitada na direção realizada pelo colega Evaldo Mocarzel, que incluiu também duas velhas, representadas por outras colegas, que levavam a xícara à boca exatamente no mesmo ritmo, a exemplo do que ocorre em “Uma carta para a rainha Vitória”, dirigida por Wilson.
     A proposta seguinte consistiu em partir de uma cena de algum autor e colocar em cena como Wilson o faria. Uma colega ( Patrícia)  foi designada como diretora e os demais como atuantes. Reunindo elementos trazidos pelos colegas, uma cena foi montada em palco que contava com um plano superior, que foi aproveitado.
       A coralidade em Robert Wilson foi igualmente tratada  pelo professor.

Bibliografia:

GALIZIA, Luiz Roberto. Os Processos Criativos de Robert Wilson. São Paulo : Editora Perspectiva, 1986.
LEHMANN, Hans-Thies. Le Théâtre postdramatique. Paris : L´ARCHE Éditeur, 2002.


sexta-feira, 19 de julho de 2013

ROBERT WILSON: Por meio das aulas de Marcos Bulhões
ECA USP - ano 2013

Renato Sergio Sampaio

Desde os anos 1960, as produções de Robert Wilson decisivamente têm moldado a aparência do teatro e da ópera. Através da utilização da assinatura de luz, suas investigações sobre a estrutura de um simples movimento, e do rigor clássico de sua concepção cênica e mobiliário, Wilson tem continuamente articulada a força e a originalidade de sua visão. Colaborações com artistas de renome, escritores e músicos continuam a fascinar o público em todo o mundo. Para Renato Cohen, Bob Wilson é um artista que conseguiu sintetizar e colocar em obra grande parte da criação artística do século XX. (SAMPAIO, 2012, pg.89)
           

Nas aulas do Professor Marcos Aurélio Bulhões Martins tive um contato mais profundo com Bob. Marcos Bulhões fala com propriedade e nos ensina a entender o pensamento de Bob Wilson e sua influência nas diversas peças teatrais de vários autores atuais. Não é porque venho das artes visuais que digo que Bob é um pintor dos palcos, mas é que eu vejo em sua expressão de arte total, uma justaposição plástica. Certo que Bob conta com músicos em parceria, como seu melhor parceiro Philip Glass, e que utiliza música como obra teatral. Também é certo que Bob é dançarino e a dança traz uma visualidade inerente. Na verdade Bob Wilson é um artista total: plásticas e visuais em cena são criadas por ele e também em parcerias; músicas em parceria e dirigidas por ele também; danças por ele e por dançarinos atores; atores e performers. O que é que não tem em uma obra de Bob Wilson? Em se tratando de arte, não há nada que não tenha. Arte e tecnologia, esculturas, arquiteturas, desenhos, vídeos. Não há espaço aqui para dizer tudo o que uma obra de Bob Wilson é em termos de linguagem artística.
O que vi na primeira aula é que Bob é um artista total, de múltiplas linguagens em justaposição. Não creio que ele seja polivalente em Arte, pois acho que sua inteligência artística se dá em alto grau devido ao teatro, onde é possível sua existência. Outros pontos importantes da aula foram: conhecer sobre o processo da construção dramatúrgica em conjunto; entender o ator como dramaturgo e colaborador; perceber o ator no papel de diretor e o experimentar cortar cenas propostas por colegas atores - colocar uma cadeira em determinado local subentende-se dizer não as outras possibilidades; ser diretor é dizer não e isso deve ser entendido pelo grupo; workshop do ator: o ator apresenta sua criação e oferece esta possibilidade ao diretor que pode comprar a idéia ou não - ótimo exercício de criação em conjunto e de formação de "banco de idéias" para dramaturgia; roteiros cênicos imagéticos como banco de dados.

No segundo dia de aula de Bob, assistimos ao filme 
Absolute Wilson, filme que narra a vida e as criações Robert Wilson, as experiências da infância e a beleza assombrosa de suas obras monumentais, incluindo "Deafman Glance", "Einstein on the Beach" e "The Civil Wars." O filme apresenta uma série de admiradores, amigos e críticos, entre eles o músico David Byrne, a escritora falecida Susan Sontag, o compositor Phillip Glass e a cantora Jessye Norman, entre outros que acrescentam ao filme um sabor especial de que Bob é cercado de amigos com excelência profissional. Como é importante trabalhar em conjunto e com profissionais de nível criativo e responsabilidade. Nesta aula percebi que Bob é severamente perfeccionista com as obras. Cada detalhe é pensado com capricho e têm a sua estética, a sua marca sensível. Bob também costuma criar vazios em cena na intenção de que este vazio seja preenchido pelo espectador. Vi também que a dança de Bob Wilson por ele mesmo é muito maravilhosa de boa! Não havia percebido até então que a dança é forte nele. Adorei sue jeito de dançar e sua coreografia. Bob cuida muito bem do corpo e diz que para se trabalhar é preciso estar bem com o corpo, se sentir bem com ele. O filme também mostra Bob trabalhando com gente gorda, crianças, surdos, cegos e mudos. Gente de todo o mundo é interessante para ele devido a diversidade cultural, tanto na visualidade que cada cultura traz como nos movimentos e expressões sonoras. Ele tem um encantamento por diversas formas humanas de expressão. Não somente humana, é claro, ele também traz uma cena teatral que chamamos de “cena paisagem”.

Na terceira aula em diante iniciamos a prática. Foi um tanto difícil executar os movimentos propostos pelos alunos colegas porque há uma exigência física corporal em “fazer Bob Wilson” que dói o corpo e que também há uma exigência emocional pois controlar qualquer expressão é uma atitude que passa pelos sentimentos. Assim, a aula fez eu refletir sobre a colocação do corpo em cena a fim de deixar que o público coloque sentimento nele. Não há expressão pronta, mas sim o corpo em ação e permissivo as infinitas possibilidades de preenchimento emocional.

Outro fator marcante da aula foi o entendimento da luz que sai do nosso corpo e se projeta na platéia. Esta luz, dúvida de alguns cientistas ainda, está no corpo do ator e este tem por técnica projetar, direcionar esta luz para onde quiser ou puder. Para mim esta luz é claramente sentida, percebida em muitas instâncias e procurei então praticar esta projeção. Acredito que esta luz pode crescer ainda mais com o tempo de experiência que do ator e que sua projeção se dê cada vez mais em latitude e longitude, ampliando assim o poder de causar sentidos ao público. A aula parece que passou mais rápido este dia e ela termina com apresentações dos três grupos formados em aula e dirigidos por alunos que escolheram ser diretor na ocasião. Gostaria de ter me visto em cena. 

Algo importante sobre o referencial teórico é a Gesamtkunstwerk, do alemão que, na tradução exata, significa “fábrica de arte global”.

Gesamtkunstwerk significa apenas um “trabalho de arte total” e, no caso de Wilson, não exatamente como Richard Wagner a entendia. Wilson não está interessado somente numa fusão das artes, nem como quer um de seus críticos, no “harmonioso entrelaçamento de gêneros em que a canção e recitativo, música, arquitetura e pintura unem-se numa só forma visando a purificação da Obra de Arte” (VICKY ALLIATA, org., Einstein on the Beach, por Vicky Alliata, New York, EOS Enterprises Inc., 1976, p.8). Ao invés de fusão, Wilson engendra uma justaposição de modos diferentes da expressão humana. Onde Wagner rejeitou árias e recitativos para fundir música e canção evitando, assim, qualquer interrupção ou divisão no desenrolar da ópera, Wilson simplifica os elementos do espetáculo de forma a fazê-lo emergir como unidades artísticas autônomas. (GALIZIA, 2011, p.34)


Wilson procura em suas peças apresentar uma multiplicidade de linguagens artísticas e não uma fusão. A fusão das linguagens traria uma arte híbrida e inteiramente nova. Fundir é por fogo, derreter e mudar, metaformosear linguagens num mesmo caldeirão e o sumo resultante dá uma linguagem inteiramente nova, híbrida, como um casal de arte que tem um filho de arte nova. Mas trabalha no palco as unidades artísticas e juntas, justapostas, dando na unidade artística, que é um único espetáculo, uma única experiência artística.



É este novo conceito de unidade, não mais caracterizado por sucessão, por transição, mas por justaposição, ou mesmo por superposição, que se caracteriza o Gesamtkunstwerk de Robert Wilson. (GALIZIA, 2011, p.35)


Interessante saber que Wilson é formado bacharelado em Belas Artes e trabalhou com crianças com problemas mentais e grupos de teatro infantil. Estudou pintura com George McNeil em Paris e que trabalhou por um ano com o arquiteto Paolo Solari no Arizona (DELGADO, 1999, p.531). Importante entender que Wilson rejeitava as facetas mais conservadoras da prática do teatro e enfatizava a qualidade pictórica da composição de palco, trabalhava com atores alternativos, incluindo autistas e crianças com danos cerebrais em seus espetáculos a fim de mostrar uma visão múltipla de atuação.  Gostaria de citar aqui uma fala de Louis Aragon sobre a obra de Bob:


“Eu nunca vi nada mais bonito no mundo desde que eu nasci. Nunca, nunca uma peça chegou tão perto desta, porque é ao mesmo tempo vida desperta e vida de olhos fechados, a confusão entre a vida de todos os dias e a vida da cada noite, a realidade se mistura ao sonho, tudo aquilo que é inexplicável na vida de um homem morto... Bob Wilson é... surrealista através do silêncio – é o casamento de gestos e silêncios, de movimento e do inefável”. (Louis Aragon, “An Open Letter to André Breton on Robert Wilson’s Deafman Glance”, Performing Arts Journal, primavera de 1976, pp. 6-7) 

Abaixo, frases de Robert Wilson tiradas de uma entrevista que ele deu no dia 1° de maio de 1995 a Ariel Goldenberg na famosa casa de ópera de Paris, denominada Ópera de Bastilha.

“Eu vejo tudo como um trabalho único, eu sou um artista.”

“Com certeza, há sempre interpretação. Apenas não insistimos em um ponto de vista. Não existe nada de errado em interpretar, mas nós não devemos insistir, essa é a pura verdade.”

“Eu acho que sempre comecei com o corpo, para mim o corpo é o nosso recurso. Eu começo primeiro com o corpo.”

“Eu faço desenhos e diagramas. Nós falamos a respeito e eu transformo isso em uma estrutura. Depois, eu a preencho mais intuitivamente.”

“É um arranjo arquitetônico no tempo e no espaço e dá no mesmo se você tiver ou se você não tiver atores. Uma luz se move e é ritmo, é uma construção no tempo e no espaço. Isto é o que eu considero arquitetura, a construção de algo, seja Mozart, Wagner ou Shakespeare.”

“Não existe só uma maneira de se aprender. Algumas pessoas aprendem melhor através de um ambiente estruturado, outras aprendem mais em um ambiente livre e isto é muito diferente para cada indivíduo.”

Penso sobre a didática atual nas escolas de Educação Básica, em que temos somente um único jeito de dar aulas que é nas salas de aula, com um diretor observando as atitudes dos professores e alunos, corrigindo as ações pedagógicas ao seu modo. Isso é terrível para a educação e mais terrível ainda para a educação artística. O medo da perda de controle por parte dos diretores faz com que o aluno acredite que não seja capaz de aprender algo na escola. Os alunos são descrentes em aprender algo realmente bom para a vida na sala de aula. O diretor da escola nunca é um bom modelo para o aluno e o sistema de ensino é desagradável porque coloca o aluno em uma posição de vítima e de compreendedor de que somente aquilo é que é possível ser feito. O professor a mesma coisa. Põe-se como vítima de um sistema imutável e desiste de causar mudanças por esgotar seus clamores ao diretor que também não pode fazer nada para mudar porque o ministério não permite. Somente um jeito de ser escola não é viável para uma melhor educação. Está aí Bob falando sobre aprendizado.

REFERÊNCIAS
DELGADO, M. Maria; HERITAGE, Paul. Diálogos no palco: 26 diretores falam de teatro. São Paulo: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1999.
GALIZIA, Luiz Roberto. Os Processos Criativos de Robert Wilson - Trabalhos de Arte Total para o Teatro Americano Contemporâneo. São Paulo: Perspectiva, 2011.
SAMPAIO, Renato Sergio. Compreendendo o Ensino/Aprendizagem da Videoperformance – relato de uma experiência. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Protocolo Robert Wilson II

Por Evaldo Mocarzel

          O primeiro passo foi o exercício da escuta: todas as pessoas do meu grupo expuseram seus roteiros cênicos e as figuras que trouxeram da própria infância, essas últimas, em sua maioria, esboços gestualizados de “personagens” idosos que marcaram a vida de todos quando crianças: avô, avó e ainda um amigo da família muito carinhoso, mas que, por ser soropositivo, vivia a dualidade entre dar-se e, ao mesmo tempo, reprimir os próprios arroubos de afeto. 
          O segundo passo foi o exercício do desapego, uma prática necessária e vital nas criações coletivas através do chamado “processo colaborativo”, dispositivo muito recorrente entre os grupos de teatro de São Paulo. Nessa segunda etapa, descartamos as ideias que não eram exequíveis num exercício prático meteórico em sala de aula, com um tempo tão curto para a sua realização. Optamos pelo possível, mas também por tudo aquilo que tinha organicidade com o conceito do que seria experimentado: a criação de uma cena construída a partir da linguagem e do pensamento do encenador norte-americano Robert Wilson.
          É interessante comentar que de algum modo eu canalizei nessa experiência (e em outros exercícios dentro da mesma disciplina) uma longa vivência que tive documentando processos colaborativos de grupos como Teatro da Vertigem, Os Fofos Encenam, Companhia Livre, Os Satyros, Grupo XIX de Teatro, Teatro Kunyn e Companhia Estável, entre outros. Em alguns casos, também participei como dramaturgo, como no espetáculo “Kastelo” (Vertigem) e “Satyricon” (Satyros). Fiz um documentário sobre os 10 anos da Companhia Livre e passei seis semanas dentro do TUSP, onde o grupo reconstituiu todos os seus espetáculos através de leituras dramáticas. Entre os debates realizados, um deles focalizou justamente o processo colaborativo, do qual participaram nomes como os encenadores Antonio Araújo e Cibele Forjaz, e os dramaturgos Luís Alberto de Abreu e Fernando Bonassi. Toda essa experiência, como já disse, de algum modo tem desaguado na disciplina ministrada pelo professor Marcos Bulhões, sobretudo nos exercícios práticos que temos realizado ao longo do curso. Especificamente nessa prática voltada para o pensamento de Robert Wilson, toda essa vivência documental e dramatúrgica com os grupos antes mencionados veio à tona na minha cabeça quando estava buscando um caminho para a direção a partir das imagens e das figuras cênicas trazidas pelos meus colegas de grupo. 
          Como diretor, fui o primeiro a abandonar os roteiros cênicos que havia trazido e direcionei a experimentação lúdica o tempo todo com o olhar do dramaturgo que me habita. Alguém sugeriu que fossem realizados quatro solos, mas confesso que busquei uma espécie de “coralidade” entre os membros do meu grupo, pois acredito que o contracenar tem sempre muita potência cenicamente, embora aprecie solos, monólogos e solilóquios. 
          Na verdade, o ponto de partida de tudo, a protogênese do nosso processo foi uma camada que já decantou dentro de mim nesse curso ministrado pelo professor Marcos Bulhões: Pina Bausch. A grande coreógrafa e encenadora alemã pedia a seus bailarinos e bailarinas que improvisassem perguntas que ela elaborava para estimulá-los a improvisar sentimentos e sensações. Depois, Pina Bausch pinçava trechos de gestualidades e os ampliava com passos coreográficos que fazem parte da caligrafia física e ao mesmo tempo anímica da dança. De algum modo, esse método de trabalho da coreógrafa alemã me orientou a organizar os esboços gestuais das figuras cênicas trazidas pelas pessoas do meu grupo e ligadas à própria infância. 
          Em seguida, a busca pela atmosfera surreal das encenações de Robert Wilson para tentar plasmar e engendrar cenicamente as imagens trazidas pelos meus colegas de grupo. Uma delas não me saía da cabeça: gêmeas siamesas tomando um líquido em xícaras com movimentos lentos e repetidos. A partir dessa primeira imagem, vislumbrei uma narrativa: uma cena cotidiana numa cozinha, mas poeticamente estranhada à maneira de Robert Wilson, ou pelo menos inspirada na surrealidade de seus espetáculos. 
          Não demorei a conectar as gêmeas siamesas com a figura trazida pela bailarina e coreógrafa Célia Gouvêa, que fazia parte do meu grupo: uma estranha mulher trazendo em suas mãos colheres compridas, que ora eram utensílios de cozinha, ora se tornavam em suas mãos grampos para ajeitar o cabelo, logo em seguida, quando reunidas, também se transformavam num punhal.
          Após conectar a estranha mulher com as gêmeas siamesas, sugeri à quarta pessoa do meu grupo para interagir com a estranha “família”, num constante ir e vir de carinho e receptividade, mas também de apreensão e recuo. Tanto em Pina Bausch quanto em Robert Wilson, a repetição é um recorrente elemento de linguagem e uma possibilidade de estranhar poeticamente a cena, distanciando o espectador, mas logo envolvendo-o num ilusionismo com uma denegação toda especial. 
          Procurei trabalhar com repetições de ações muito lentas, como Robert Wilson dilata o tempo em cena, assim como jamais deixei de ter em mente um permanente contracenar entre as figuras cênicas, como já disse. Num determinado momento, todos se encontravam no proscênio e encarnavam pessoas idosas muito plásticas, com texturas surrealistas e ainda expressionistas. 
          As marcas e “deixas” foram surgindo naturalmente das próprias ações das figuras. Procurei me apropriar de determinados detalhes para promover deslocamentos e deflagrar novas ações, sempre em busca de algum tipo de “coralidade gestual” entre as figuras cênicas, na medida em que não trabalhamos com palavras nesse exercício prático, somente imagens e gestos alentados pela música de Philip Glass para a ópera “Einstein on the Beach”, com direção de Robert Wilson. 
          O resultado final do nosso exercício prático foi, como já comentei, um fragmento de cotidiano estranhado: algo bem trivial, comezinho, mas que está sempre a nos revelar a possibilidade de algum tipo de lampejo poético, com tintas surreais, na nossa rotina de vida, sobretudo nesses novos tempos digitais, em meio a toda essa virtualidade da “sociedade do espetáculo” que nos envolve e que tanto nos sufoca. 

Protocolo Robert Wilson

Evaldo Mocarzel


          Nesse novo processo, atuei fazendo dramaturgismo. Alice Nogueira trouxe o texto “Coração”, de Heiner Muller, além de uma música do Radiohead. Uma primeira coincidência: Célia Gouvêa trouxe imagens de coração e também o texto “Old Times”, de Harold Pinter. Renato Sérgio Sampaio trouxe um soneto de Shakespeare sobre o amor. Patrícia Bertucci trouxe o poema “O Estrangeiro”, de Beaudelaire e seu ponto de partida acabou sendo o mais votado por todos. Patrícia também foi escolhida como a diretora do grupo. 
          Durante o brainstorm, surgiram muitas imagens interessantes: Medeia de Eurípedes, uma mulher projetada no chão como uma gema de ovo sendo iluminada pelo sol. Ainda figuras geométricas. Medeia começou a ganhar contornos tribais. No final dessa primeira etapa, o ponto de partida acabou sendo mesmo a figura do poeta, no caso Beaudelaire, escrevendo o seu poema “O Estrangeiro”. 
          A ideia de criar um coro carregando malas ao redor do poeta não foi adiante por questões de produção: as malas estavam trancadas e não puderem ser utilizadas na criação coletiva. No entanto, acabaram sendo incorporadas ao exercício de maneira invisível.
         Raíssa trouxe a imagem de uma espécie de deusa da beleza, com o rosto coberto por um véu, que virou uma emanação do poema, figura inatingível para o poeta, mas que o perseguia e ao mesmo tempo se afastava dele. 
          Cubos foram trazidos para o centro do palco e sobre eles, e ao redor deles, todos criaram gestos minimalistas, lentos e repetitivos inspirados em Robert Wilson. O poema foi sendo lido e os versos reverberavam nas figuras ao redor dos cubos. Uma reverberação meio dissonante, para não reiterar as imagens do poema. 
          A diretora Patrícia tem formação como arquiteta e seu olhar era de um preciosismo muito grande com relação à linha exata do coro que cruzava o palco conforme o poema era lido no alto por Alice, que encarnou em cena o poeta. No final, todos se arrastavam em direção à figura de Raíssa encarnando a beleza esquiva, inatingível, também brincalhona, deixando o poeta “estrangeiro” na própria vida. 
          Como já comentei, atuei nesse exercício como dramaturgista e procurei o tempo todo estabelecer relações entre a dramaturgia proposta e a encenação que estava sendo criada. Procurei estabelecer vínculos conceituais, dramatúrgicos com relação a todas as imagens que foram sendo criadas, em busca de algum tipo de coesão entre as figuras. Em muitos momentos, minha atuação foi de observação, mas sempre muito participativa. 

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Protocolo do percurso para conhecer Robert Wilson


Glauber Gonçalves de Abreu

Verdadeiramente, não conhecia Robert Wilson. Talvez por uma questão local de recorte do cânone, minha graduação em teatro não contemplou suas obras, sua trajetória e seus procedimentos criativos nas diversas aulas de história, teoria e interpretação. As impressões sobre o artista vinham de rápidas pinceladas em aulas de técnicas teatrais, pesquisas autônomas na internet, leituras, revista Bravo; impressões mais vinculadas à forma que ao processo. Teciam-se comentários acerca de um teatro frio, pouco vertiginoso, pouco dionisíaco – “que é trazido a nós, o mais de perto possível, pela analogia da embriaguez” (NIETZSCHE, 2003: 30). Fragmentos de um Apolo exacerbado e desmedido, preso aos efeitos da forma. Foi com esse olhar que cheguei ao primeiro módulo da disciplina Encenações em Jogo: experimentos de criação e aprendizagem do teatro contemporâneo, cujo modelo estético posto em jogo inicialmente foi o criador Robert Wilson. Reitero a denominação de Wilson como criador por entender que seus domínios criativos colocam em questão – e em movimento – as fronteiras do que chamaríamos de teatro. O próprio conceito de “teatro pós-dramático”, elaborado por Hans-Thies Lehmann e presente em boa parte de nossas discussões em sala, apóia-se bastante nas obras de Wilson para se desenhar. O desejo de compreender conceitualmente e verbalizar a experiência deste novo teatro (LEHMANN, 2007: 22), tendo Wilson como um dos seus principais expoentes, é justamente o que mobiliza a busca deste conceito, que tenta dar conta das novas configurações formais e processuais do Teatro.

É curioso e me movimenta pensar efetivamente porque Bob foi incorporado ao cânone teatral. O filme-documentário a que assistimos, Absolute Wilson, deixa claro que Bob não inicia sua carreira artística exatamente como um artista de teatro. Vemos no filme que, quando de suas primeiras apresentações em Nova York, um jornal local do Texas (estado natal de Wilson) escreve que a arte, o cinema ou a arquitetura devem ter um lugar para ele. Me pergunto muito porque o teatro não fora citado e – mais do que isso – porque o teatro é quem havia expandido suas fronteiras, territórios e limites para fazer caber Bob? Não seria possível um novo cinema, de limites rompidos entre a tele presença e a presença real? Uma nova arte, mais viva, mais tridimensional, mais calorosa, em movimento, ao contrário da escultura estática? Uma nova dança, mais teatral (como Pina Bausch faria alguns anos mais tarde)? Uma arquitetura em trânsito? Como Bob chegaria ao teatro?

O contato com o filme foi fundamental para conhecer melhor o artista e seu processo de criação. A impressão fria que pairava sobre sua obra aos poucos se desintegrou em seus múltiplos sentidos e princípios criativos. O encontro com o outro transformou a maneira de fazer e pensar arte em  Bob Wilson. O silêncio, a ausência, o vazio, a dilatação do tempo são perspectivas de olhar sobre o mundo. Impossível não estabelecer relações entre esses procedimentos e seu encontro com crianças autistas, com Christopher Knowles ou com o surdo Raymond Andrews. A presença de seres humanos especiais e suas limitações de percepção parecem fazer Bob repensar o alcance da linguagem verbal – e da linguagem, propriamente – e levar ao palco espetáculos de enorme potência imagética, em que a palavra ocupa um outro lugar, fora da lógica textocêntrica.

A dimensão pós-dramática de seu trabalho fica clara pela incorporação dos diversos procedimentos que detectamos: descontinuidade de ação e da narrativa, coralidade, simultaneidade, musicalização da cena, dilatação do tempo, atmosfera onírica, disjunção entre gesto e música, “dramaturgia da luz”, presença de elementos visuais (linhas, formas, cores) na composição do espaço.  Como a disciplina possui caráter teórico-prático, após identificar os procedimentos, experimentamo-los. Na primeira experimentação, em formato de roteiro cênico ilustrado ou story board, essencialmente visual, parti de uma imagem descrita por GALIZIA (2005: 92) para ilustrar a ideia de teatro estático em uma mostra realizada em Paris na década de 1970:

As duas Cadeiras Vitorianas de madeira que faziam par também receberam um tratamento dramático especial: um conjunto de faróis dianteiros na extremidade do espaldar e nos quatro pés de cada cadeira e a fiação permanece descoberta, no chão. As cadeiras foram colocadas a uma distancia aproximada de trinta metros, uma diante da outra, sobre uma superfície semelhante a um espelho. A tensão existente entre as duas cadeiras transcendia, pelo menos até certo ponto, a vulnerabilidade da ilusão do significado.

 A tensão provocada pela iminência do movimento ou da ocupação presente nessa descrição me colocou em contato com o próprio estado do ser humano, sempre potencial, em constante devir. O que existe nesta imagem é “a possibilidade do teatro” (94), a possibilidade de que o ser humano se faça presente e, portanto, um novo conceito de ação. Este conceito marca também teatralidade presente no cotidiano. A presença, aqui, se dá pela ausência, como no centro da cidade aos domingos (que é pura possibilidade).

FIGURA 1. Primeira imagem do roteiro cênico inspirado em Bob Wilson.
FIGURA 2. Rua 25 de Março (SP) em potência.
Fonte: 
http://fotos.estadao.com.br/cidades-sao-paulo-vazia-regiao-da-rua-25-de-marco-durante-o-jogo-entre-brasil-e-portugal,galeria,,108545,,9,0.htm?pPosicaoFoto=38

FIGURA 3. Rua 25 de Março (SP) ocupada.
Fonte:
http://www.flickr.com/photos/f_prestes/2428341680/

Depois, fizemos as improvisações, os coros wilsonianos, trabalhando alguns dos procedimentos identificados em que um corifeu liderava a movimentação dos demais participantes. Para finalizar o módulo, criamos uma cena em grupo a partir dos roteiros cênicos individuais. Interessante perceber como o procedimento ressoa diferente se deixa de ser exclusivamente mental e passa pelo corpo como um todo. PUPO (2010: 12) já afirmaria que “o grande poder do teatro (...) está no fato de que só dentro dele que eu tenho condição de, corporalmente, assumir um mundo fictício”. Faço este protocolo após ter tido a oportunidade de experimentar com um grupo de alunos da educação à distancia esse jogo de citação cênica a partir de um espetáculo do Antunes Filho apresentado em Brasília. A experiência foi muito potente em termos didáticos e ampliou enormemente o tipo de relação que se estabeleceu com a obra e a compreensão de seus sentidos. A leitura que os estudantes fizeram do espetáculo se ampliou na dimensão simbólica e também no estabelecimento de vínculos pessoais com o trabalho. Como facilitador, o meu próprio olhar sobre o espetáculo foi redimensionado a partir das reverberações dos procedimentos de criação nos corpos dos alunos.

FIGURA 4. Estudante em jogo. Brasília, julho/2012.
O contato com outros materiais, especialmente trechos em DVD dos espetáculos, contribuiu enormemente para o conhecimento da obra do artista estudado e apontou a constituição de uma ferramenta muito potente, inclusive, para o professor de teatro da educação básica. Escrevo minha dissertação sobre formação de espectadores e conheço as dificuldades logísticas do acesso de estudantes a espetáculos de teatro. Por meio do registro do espetáculo em DVD foi possível identificar os princípios e procedimentos, a ocupação do espaço, a relação entre os atores, a utilização do tempo, a proposta sonora, o curso da narrativa. Interessante pensar os desdobramentos didáticos do registro filmado de uma peça. 

Posso dizer que admiro este criador como não fazia antes. Ou, pelo menos, que entendo melhor como ele se encaminha para suas obras e acho interessante como suas propostas abalaram o próprio conceito de teatro. Fico curioso e na expectativa para um possível encontro em que serei plateia ao vivo de uma obra de Wilson (ingressos esgotados para o Beckett no SESC Belenzinho).

REFERÊNCIAS

GALIZIA, Luiz Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. São Paulo: Editora Perspectiva, 2005.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac&Naify, 2007.
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
PUPO, Maria Lúcia. Teatro e Educação Formal. In: CORADESQUI, Glauber (Org.). Teatro na Escola: experiências e olhares. Brasília: Fundação Athos Bulcão, 2010.



A ORDENAÇÃO DO CAOS


                                                       A ORDENAÇÃO DO CAOS
                                                                                                                  Por: Francis Wilker




Para começar pelo começo, acho importante dizer que a obra de Bob Wilson nunca tinha despertado meu interesse. Guardava para mim esse nome associado à ideia de elitismo, artificialidade, ostentação....Desse modo, a oportunidade de conhecer melhor o artista e sua obra na disciplina Encenações em Jogo foi uma rica oportunidade de aprender e rever preconceitos...a prova de que o conhecimento é o melhor antídoto contra o preconceito e a ignorância (aqui no sentido de falta de conhecimento mesmo).
De início a proposta do professor Marcos Bulhões em trabalharmos com Roteiros Cênicos se mostrou bastante instigante. Como diretor/encenador pouquíssimas vezes fiz uso dessa “ferramenta” de “planejamento” da encenação. Essa estratégia ao mesmo tempo ajudou a me aproximar do universo do artista que estava sendo estudado e também me fez pensar em outras possibilidades para o meu trabalho como encenador, uma vez que achei bastante produtiva a elaboração dos roteiros, tanto como estímulo criativo quanto como um modo possível de pensar a elaboração/estudo de uma encenação.
O estudo do documentário Absolute Wilson foi fundamental para ter uma noção da trajetória do artista: origem, formação, influências, características, etc. Nesse ponto me chamou a atenção dois aspectos principais:
1)      o interesse e o trabalho de Bob com crianças/pessoas com problemas mentais (seja em relação à fala, à cognição ou motora). O encontro com essas aparentes limitações parece ter sido o grande disparador que resultou em aspectos importantes de sua poética. Além disso, o próprio Wilson apresentava dificuldades de fala quando criança. É interessante pensar como a limitação age no trabalho artístico gerando novas respostas e modos de expressar o mundo. Pensar em procedimentos como disjunção entre gesto e fala; dilatação do tempo; formas de trabalhar um texto; narrativas não lineares, entre outros, ganham novo sentido após conhecer essa trajetória.
2)      As suas experiências formativas que envolvem as artes visuais, o happening, a dança, o teatro, a arquitetura. Isso ajuda a entender como Bob se posicionou logo de início numa zona de criação absolutamente híbrida.
O impacto dessas dimensões na sua poética pode ser exemplificado na descrição do seu trabalho apresentada no texto de introdução de uma entrevista com o encenador e, em seguida, com um trecho onde o próprio Bob fala de suas criações:

“Rejeitando as facetas mais conservadoras da prática do teatro, ao enfatizar a qualidade pictórica da composição de palco, suas peças do final dos anos 60 criaram uma fusão caleidoscópica de elementos de palco: camadas multiespaciais e temporais desdobrando-se em uma longa duração de tempo, e questionando a idolatria da palavra que dominou o teatro ocidental desde a Renascença.”[1]

“Para mim, é tudo ópera e é ópera no sentido latino da palavra, que significa trabalho: e isto significa algo. Eu escuto, é alguma coisa que eu vejo, é algo que eu cheiro. Isto inclui arquitetura, pintura, escultura e luzes: todas as artes estão na ópera. De uma certa maneira, todos os meus trabalhos são óperas , no sentido da palavra em latim, que significa “opus”.”[2]

Entre os parceiros recorrentes de Wilson destaca-se o músico e compositor Philip Glass que colaborou em diversas montagens. Veja uma das composições no link:

Depois de conhecer melhor aspectos do seu trabalho, assistir ao espetáculo A Última Gravação de Krapp, onde o próprio Bob Wilson está em cena, foi uma experiência diferenciada. Ali, me relacionando ao vivo com a matéria de sua arte, me chamou a atenção o apuro visual da cena, há uma preocupação singular com acabamento de cenários e objetos, sua distribuição no palco e a composição dessas visualidades de modo geral. Outro aspecto que impressiona é o modo como a iluminação se configura, há aqui uma precisão e ao mesmo tempo uma sutileza – como a passagem de tempo expressa pela luz que vaza da janela – a sensação é de que a luz é como um ator no espetáculo.
Por último, a experimentação prática dos principais procedimentos discutidos pela turma foi um terreno fértil de possibilidades. Interessante notar como em pouco tempo tantas imagens potentes foram criadas, experimentos simples a partir dos roteiros e que exploraram relações com o tempo, o espaço, elementos visuais...como pode ser visto no link abaixo que contém o registro das experimentações do grupo que integrei:

De modo geral, esses são os principais aspectos que me chamaram a atenção durante o módulo Bob Wilson. Seja no trabalho como professor e/ou encenador (em mim esses dois aspectos parecem não se separar) se mostrou estruturante analisar obras teatrais/encenadores procurando identificar procedimentos utilizados, discutir sobre os mesmos e em seguida experimentá-los e observar como se desdobram em outros corpos, com outras memórias, em outra cultura...


[1] Texto de apresentação da entrevista com Robert Wilson in HERITAGE, Paul; DELGADO Maria M. Diálogos no Palco. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A, 1999.
[2] Idem. Pág.535.
* Foto: montagem do autor e fotografia de Carmven.