Rodrigo Severo
Ao problematizar o “modelo de
encenação de Robert Wilson” (dramaturgia das imagens) como procedimento
metodológico para o ensino de teatro, pode possibilitar ao atuador pensar o
teatro como uma engenharia cênica composta por diversas camadas e funções.
Neste caminho pedagógico, o participante, inserido no processo, pode
expressar-se de outras formas cênicas que não estejam completamente
subordinadas à arte do ator. Nesta perspectiva, elaborar uma dramaturgia visual
é uma tarefa complexa e lúdica que apresenta visões de mundo e concepções
cênicas, podendo dialogar com os integrantes envolvidos num processo de criação
teatral. Então, tal recurso, pode ser bastante interessante para se trabalhar
novos modos de atuação do ator.
No teatro de Bob Wilson, o
trabalho do atuante está em oposição ao teatro naturalista, desenvolvendo uma
técnica antinaturalista de trabalho arraigada nos estudos do ator proposto por
Gordon Craig (ator-marionete) e Meyerhold (biomecânica). Nesta forma de teatro, o ator funciona como
um dispositivo gerador e provocador de sensações múltiplas e pensamentos ao
rejeitar qualquer tipo de informação analítica explicita ou linguagem
normativa. O teatro de Wilson é um dispositivo gerador de múltiplas linguagens
cênicas em que os elementos são apresentados como unidades artísticas
autônomas, pois como coloca Galízia, Wilson insiste em que o público precisa
desenvolver outras percepções, já que é o público que quem passa a participar
criativamente do viver artístico com sua própria imaginação, completando,
assim, o espetáculo (2009).
Assim, na obra de Wilson, há
criações de espaços de vazios (zen budista) que faz com que o espectador saia
de uma lógica de consumação das imagens, da sociedade de espetáculo, e entre em
outra dimensão perceptiva e fenomenológica da obra, outras camadas são
reveladas no campo ilógico. Em que o espectador é construtor de sua própria
leitura. O ator
deixa o espectador projetar suas emoções nele, pois a emoção está no público. É
como se o atuador assumisse uma máscara autobiográfica e neutra que deixasse o
espectador projetar suas emoções nele.
Neste tipo de evento, as camadas de justaposição faz com que o espectador crie sua leitura sobre
o fenômeno assistido, pois as obras de Bob Wilson, assim como as obras de Pina
Bausch, a dimensão semiológica nunca está fechada, mas sempre passível de ser
interpretado sobre vários prismas, pois “o teatro de Wilson é um teatro das
metamorfoses” (LEHMANN, 2007, p. 129).
É um teatro provocador de
sensações que tira o espectador da zona de conforto passiva colocando-o em
zonas autônomas temporárias fazendo-o pensar por via das emoções, uma vez que,
“a resposta é emocional ao invés de racional” (WILSON apud GALÍZIA,
2011). As ideias de Wilson talvez bebam
em raízes surrealistas, abrindo fissuras de tempo e espaço na recepção do
espectador, o levando para outros estágios que a mente não pode semiotizar de
forma rápida e precisa, mas apenas possível de ser entendida no universo
onírico, dos sonhos, deslocando os hábitos perceptivos do espectador educado
pela indústria cultural ou cultural de massa. Solicitando ao espectador um novo
tipo de atitude para compreender o universo "Wilsiano”.
Neste sentido, os espetáculos de
Wilson estão presente momento de respiração, pausa, suspensão para que o espectador tenha
tempo de penetrar em estados de epifânia, de delírios. É uma suspensão do fluxo
de vida para gerar novos modos de percepção no espectador com caminhos
dissociativos que possibilita zonas autônomas de subjetividade para plateia. De
acordo com Lehmann (2007, p.12) Wilson é o artista capaz de suscitar “uma
experiência abissal da metamorfose” ao tornar a realidade possível por meio de
dimensões sensíveis da arte, gerando política da percepção (LEHMANN,
2007, p.424).
A obra de arte total em Robert Wilson
A obra de arte total
(Gesamtkunstwerk) é um conceito formulado por Richard Wagner no final do século
XIX que influenciou fortemente o teatro do século XX, e ainda hoje é
considerado um das primeiras referencias consolidadas da ideia de síntese da
fusão de diversas formas artísticas. É um caminho interdisciplinar que se utiliza de
várias linguagens (música, dança, teatro), e que se integram de forma
harmoniosa com finalidade de chegar a um espetáculo total, a uma unidade, a uma
consumação da experiência, como coloca Dewey em Arte como experiência
(2010). Esta ideia de obra de arte total também está presente em Bob Wilson só
que o fenômeno teatral proposto por ele não se compõem de forma harmônica,
linear, pois o seu processo de composição das linguagens se dá por
justaposição, por linguagem, como acontece em Einstein on The Beach
(1976), e em outros trabalhos de Wilson.
Gesamtkunstwerk significa apenas um “trabalho de arte total” e, no caso
de Wilson, não exatamente como Richard Wagner a entendia. Wilson não está
interessado somente numa fusão das artes [...]. Ao invés de fusão Wilson
engendra uma justaposição de modos diferentes da expressão humana. [...].
Wilson simplifica os elementos do espetáculo de modo a fazê-lo emergir como
unidades artísticas autônomas. [...]. De fato, ao invés do resultado
constituir-se na expressão de uma só linguagem artística, com todas as modalidades
convergindo para moldar um único significado, o que transpira, nas peças de
Wilson, é uma multiplicidade de linguagens, frequentemente divergentes em
significados [...]. É este novo conceito de unidade, não mais caracterizado por
sucessão, por transição, mas por justaposição, ou mesmo por superposição, que
caracteriza o Gesamtkunstwerk de Robert Wilson (GALIZIA, 2011, p. XXXIV- XXXV).
Dessa forma, a ideia de teatro total que retoma à Gesamtkunstwerk wagneriana tem outros
significados nas obras de Robert Wilson, Taudez Kantor, Pina Bausch. Se para
Wagner a ideia de obra de arte total implica na fusão das artes no interior do
espetáculo, nas obras de Wilson, Pina Bausch, Kantor, José Celso Martinez Corrêa
a ideia de obra de arte total não implica na homogeneidade da obra, por mais
que a obra seja uma unidade com zonas de complexidades, não faz com que ela
seja homogênea, mas os elementos de cena são independentes e garante autonomia
polifônica de diversos discursos cênicos, então a dimensão polifônica é uma
característica que marca a obra de alguns encenadores do teatro contemporâneo,
como é o caso de Wilson onde as linguagens artísticas coexistem autônomas em
absoluto contraponto.
Como as partes são autônomas
podemos tentar dizer que as camadas das obras falam por si só, ou seja, elas
não precisam uma das outras para ser entendidas, pois podem ser lidas e
interpretadas como linguagens autônomas. Em Wilson se encontra uma constelação
da hierarquia dos meios teatrais, que está ligada à ausência de ação em seu
teatro. Na maior parte das vezes não há personagens psicologicamente elaborados
nem individualizados em um contexto cênico coerente (como em Kantor), mas
apenas figuras que agem como emblemas incompreensíveis (LEHMANN, 2007, p. 131).
As imagens de Wilson parecessem
evocar direta ou indiretamente referencias de sua vida, sejam elas históricas,
religiosas, literárias ou mitos pessoais como acontece com algumas figuras de
cena onde ele traz como “pano de fundo” membros de sua família que pertencem a
cosmos imaginativos. É quase uma lógica da criança, do indizível, mas que pode
ser sentido. Uma infância, uma experiência de vida, onde o corpo é
problematizado em cena de forma ilógica, levando o espectador para um espaço
dos sonhos, para territórios desconhecidos de sua imaginação. Arte e vida.
Portanto, observa-se ao usar o “modelo de encenação Wilsiano” como
método de ensino de teatro abre possibilidades para o atuante compreender o
fenômeno teatral a partir do efeito de disjunção das linguagens, entendendo
outras camadas estéticas que estão presentes no teatro de Robert Wilson. Assim,
a dramaturgia de imagens é um caminho para se pensar no ensino de teatro não
restrito a arte do ator, mas a partir de outras formas cênicas que possibilita
ao atuante conhecer dimensões do espetáculo, ou seja, a arquitetura da cena
como um todo. Assim, a experiência vivenciada em sala de ensaio, me retirou da
zona de conforto, fazendo com que eu assumisse novas funções na prática cênica
aprofundando alguns conceitos que estão presente no teatro de Robert Wilson.
Referência
DEWEY, John. Arte como experiência.
São Paulo: Martins Fontes, 2010.
GALIZIA, Luiz Roberto. Os Processos
Criativos de Robert Wilson: Trabalhos de Arte Total para o Teatro Americano
Contemporâneo. São Paulo: Perspectiva, 2011.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático.
Trad. Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify, 2007.