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quinta-feira, 24 de maio de 2012

A experiência da forma. por Melissa Panzutti


Protocolo Bob Wilson
Prof. Dr. Marcos Bullhões
Por Melissa Panzutti

O que fiz com Bob Wilson.
A pratica oferecida na metodologia de trabalho da matéria encenação em jogo me fez refletir com o corpo, desafiado por proposições que vão além de estudar os conceitos teóricos mas experimenta-los com o coletivo, nesse sentido que a reverberação dessa vivência em mim eu chamo do que fiz com Bob Wilson. Busco nessas linhas traçar paralelos da pratica experienciada com o conceito do saber da experiência de Jorge Larrosa Bondia enfatizando a capacidade de marcar o corpo e produzir novas subjetividades e os conceitos da estética relacional de Nicolas Bourriaud como suporte para um olhar sobre as formas e ambos como trampolim para a apropriação e questionamento do fazer artístico.

Larrosa destaca uma separação crucial para se debruçar sobre a experiência, diferenciando esta da informação. O saber de estar informado não traz propriamente sabedoria e sim, o poder de opinar e estar a par de algo. A experiência pressupõe que o sujeito da experiência é atravessado pelo saber e esta se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana. Essa experiência provoca um saber distinto do saber cientifico e do saber da informação, mas um saber da práxis. Essa práxis que me refiro no processo criativo que passamos com base na experimentação proposta durante quatro encontros sobre o encenador Bob Wilson.

Destaco a proposta pedagógica num conjunto de procedimentos pratico e teóricos como um disparador de diálogos que trouxeram uma apropriação e a reflexão do processo criativo vivenciado. Ao trazer para nossos encontros o conceito de hipertexto como metodologia emergiram uma rede de conexões e associações poéticas e teóricas para que o fluxo criativo pudesse acontecer. Um encontro polifônico sobre B. Wilson. O exercício de experimentação das formas re dimensionou os conceitos discutidos marcando nossos corpos nessa práxis.

Assim trago para a continuidade desse pensamento polifônico, a estética relacional de Nicolas Bourriaud, que expõe uma teoria da forma quando olha o artista e a obra de arte conectados com seu tempo, num jogo cuja forma, modalidades e funções  evoluem conforme épocas e os contextos sociais. Se antes tínhamos a atividade artística ligada a conquista de território pelo proprietário da obra hoje apresenta uma arte que propõe uma discussão ilimitada pois esta vinculada a uma duração a ser experimentada. A forma evidencia-se como elemento de ligação, definida por ele como um encontro fortuito duradouro, uma unidade coerente que apresenta caraterísticas de um mundo, um encontro aleatório em que os elementos se unificam numa forma. O artista contemporâneo coloca-se como fomentador desse encontro e disparador inicial  desse dialogo.


 Para dar conta da encenação pós dramática e contemporânea, nada do que criar um encontro artístico que provoque uma experiência estética onde os conteúdos são experienciados numa práxis do fazer artístico. A forma desses encontros dialogava diretamente com os conceitos estudados. Sendo  forma abordada como:
 “unidade estrutural que imita um mundo. A pratica artística consiste em criar uma forma capaz de durar fazendo com que as entidades heterogêneas se encontrem num plano coerente para produzir uma relação com o mundo”. Bourriaud (2009)

É com esse olhar que as praticas artísticas produzidas fomentaram : a possibilidade de não mais acreditarmos que exista um ponto único de partida para a apropriação do fazer artístico contemporâneo; ressaltou pontos de encontro e convergência onde emergiam a heterogeneidade das subjetividades dos sujeitos envolvidos naquele encontro; e trouxe a perspectiva de que o encontro desses artistas pesquisadores era um encontro artístico, um encontro fortuito e duradouro, onde os elementos de ligação foram vivenciados. Brincamos com a forma. 

Assim faço uma trajetória para exemplificar o que nos acometeu nesse processo criativo e o que eu pude experienciar dele.

Os elementos da escritura cênica.
Num primeiro momento a poética de Bob Wilson foi enunciada pela projeção em uma tela grande ao fundo de um teatro. Com a seguinte consigna: Recorte uma imagem e partir dela crie seu roteiro cênico(aproximando-nos do modo de criação de Wilson).   O documentário “Absolute Wilson”  aguçava nossa percepção pelas imagens , pelo som e em seguida uma discussão foi disparada pela questão : quais os elementos da  escritura cênica utilizados nas encenações de Wilson?

Repertório de referencia comum.
A Pluralidade de imagens, associações e devaneios que os artistas pesquisadores se colocaram diante de tal discussão propõe uma decupagem de possibilidades de escritura. As escrituras ganharam seus respectivos nomes e significados e um repertorio em conjunto de referencias imagética e  poética foi instituído. Assim a proposição de se fazer um Roteiro “A la Bob Wilson” dimensionou a analise da encenação e fomentou a criação individual de cada artista em  sua pessoalidade ao  criar o roteiro utilizando-se do modelo de referência comum.

Compartilhar dos roteiros e aprofundamento.
Num segundo momento, com a percepção ainda mais  aguçada na apreciação de outras encenações dos espetáculos de Bob e o destaque das escrituras cênicas verticalizamos os elementos. Foi nesse contexto que partilhamos os roteiros cênicos.
Novamente a pluralidade da estética relacionada com Bob Wilson, partiam das reflexões sobre a analise das escrituras cênicas. Os elementos de justaposição, disjunção, cena simultânea, dramaturgia da imagem, ação cenográfica, dilatação do tempo e movimento foram exercitados em cada roteiro com sua particularidade de entendimento, sentido e individualidade intrínseca a personalidade de cada artista pesquisador.

Corporeidade.
Continuamos com o terceiro momento, quando experimenta-se a corporeidade do processo a la Bob Wilson. Os corpos, as dinâmicas de movimento, as pausas, os coros, a formalidade, o corpo e seu estado de relaxamento e tensão.  Até agora nos relacionamos a partir dos procedimentos de Wilson com a dimensão intelectual, a imagética, o exercício de escrita e gráfica e o corpo físico.

O corpo reflexivo- perceptivo.
A experiência quando logra acordar os diversos sentidos, abarca uma gama diversa das personalidades envolvidas nessa experiência, isto é, cada individuo tem a possibilidade de a partir dessas percepções criar seu próprio lugar de sentido para uma apropriação. No que se refere a percepção aguçada até então desses artistas pesquisadores, os corpos presentes nesse encontro foram afetados sensorialmente. Na dimensão intelectual, pelas reflexões e referencias bibliográficas, falar, discutir e associar. Na dimensão  visual, na apreciação das imagens e na sonoridade proliferada pela estética de Bob Wilson. Na dimensão desse o corpo motor, no que se refere na materialização das ideias ,ainda que abstratas,  quando roteirizadas e desenhadas nos roteiros cênicos. E na fiscalização de imagens no tempo e espaço.
Algumas questões me inquietam ainda ara uma continuidade de pesquisa. Em que medida o espectador da obra de Wilson também é aguçado perceptivamente nessas dimensões? De que maneira a partir da experiência de assistir o espetáculo de Wilson nosso corpo se encontra em estado reflexivo?

O espaço do encontro.

O quarto momento os grupos escolheram um roteiro cênico a ser materializado propriamente. Para isso cada pesquisador era confrontado com o exercício dos outros e nos grupos, os roteiros foram dialogados.  Desse dialogo recortaríamos 4 a 5 minutos de experimentação poética a la Bob Wilson, a tarefa de selecionar alguns  minutos com as escrituras cênicas presentes nos roteiros se transformou num exercício de desapego e de percepção, um exercício de sim.

Da forma da proposta as escrituras cênicas emergiram.
O caráter do exercício, propunha uma reflexão em ato da escolha sobre a escritura cênica envolvida no roteiro do parceiro e se esta merecia um dialogo, uma justaposição, oposição com as imagens do roteiro do outro. Provocando uma verticalização dos próprios conceitos levantados nas  dimensões de estudo, a experiência corporal, a escritura cênica, a revisitação das imagens e conceitos discutidos nos momentos anteriores. O formato da proposta do exercício coletivo evidenciava exatamente os conceitos abordados anteriormente, as escrituras cênicas emergiam.
A experiência propôs que as imagens fossem  justapostas, as vezes um elemento cênico que já estava acontecendo era deixado de lado para evidenciar outro ainda não enunciado naquele novo roteiro criado. Cada artista, somava a ideia do outro complementando, mas havia critérios muito claros em comum. Os elementos da escritura de Bob Wilson, as percepções vivenciadas em comum por aqueles pesquisadores, o referente se tornou uma massa de manipulação, de decupagem, de corta e cola que possibilitou a criação desse quinto momento.


O grande roteiro “A la Bob Wilson”.
As quatro materialidades dos grupos foram  expostas e  exercitadas, experimentadas com seus figurinos, com sua luz e som. O exercício de ir e vir, tirar antes, colocar depois. E a grande composição de 3 a 4 minutos cada um dos exercícios evidenciou no corpo, o que seria propriamente a encenação de Wilson. Link para os exercicios do grupo 3.

Marcar o corpo.
Não existe evidentemente uma separação entre a teoria e a pratica da encenação. Não só os conteúdos da metodologia de criação de Bob Wilson foram elencados em uma primeira instancia intelectualmente, com os textos e entrevistas sobre, mas a forma que Wilson trabalha foi marcada em cada corpo. Marcada perceptivamente, onde não só os cinco sentidos, mas outros ainda não nomeados, que por associação se agrupam trazendo memorias, disparando sensações.

As relações de imbricamento de forma e conteúdo explicita-se no formato dos encontros e revela os conteúdos da encenação de Wilson. A apropriação dos elementos cênicos que os pesquisadores puderam viver na pele não estariam tão marcados no corpo se o formato do encontro fosse linear, não imagético, não corporal como o trabalho de Wilson. Posso atrever-me a dizer que marcarmos o corpo com as escrituras cênicas analisadas anteriormente.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Somando Ideias


Somando Ideias

Protocolo Bob Wilson

                                                                                                         Martha Travassos

“Enquanto instrumento de avaliação, o protocolo tem sem dúvida a função de registro, assumindo não raramente o caráter de depoimento. Não reside aí, porém, a sua função mais nobre. (...) Ao almejar como função mais nobre dar conta do caráter estético do experimento com o modelo de ação (imagem e/ou texto), o protocolo promove a dialética como método de pensamento.” – Ingrid Koudela


Um Exercício que criou novas possibilidades de vida sobrepujando a ordem. Mais que uma experiência estética: Uma vivência libertadora.
Conjuga precisão/desvio, rigor, estranhamento, temporalidade incomodas, arranjos que agregam simplicidade e caos. Utilização de recursos de luz, projeção de imagens e música.
Reunidos em uma roda cada um teve seu momento de expressão. Cada idéia foi ouvida e editada em uma só composição. Essa foi a nossa experiência como atores performáticos no exercício do Bob Wilson.

Nossa diretora criou uma moldura e definiu a luz e o espaço. Escolheu a música como elemento matemático que regeu nossos movimentos e estruturou o tempo.

“Quando dirijo um trabalho eu crio uma estrutura no tempo. Quando finalmente todos os elementos visuais estão no seu lugar, eu criei uma moldura para os performers preencherem.”- Bob Wilson

Nossas criações estavam lá preenchidas:
- Texto: “Os cavalinhos correndo e nós cavalões comendo”. Foi falado, fragmentado e cantado.
- A construção de um castelo de sapatos
- O barbeador frenético
- A mulher tendo o cabelo trançado por duas outras. Todas com os olhos vendados.
- A imagem da praia e o do açougue.

Sons e imagens sendo mesclados na tentativa de mostrar o ritual, o belo, o estranho e o mórbido. Usamos os procedimentos como da repetição, ritmo variado (lento e rápido), pausas, gestos hieráticos precisos e cenas simultâneas. 

“Surpreendido, abalado, sensorialmente seduzido ou mesmo hipnotizado, o espectador nas performances de Bob Wilson, experimenta AA passagem do tempo... O tempo cristaliza e transforma o que é percebido: O objeto visual sobre o palco parece acumular tempo nele mesmo... O teatro se assemelha a uma escultura cinética, torna-se escultura do tampo.”
- LEHMANN

“O teatro de Wilson é um teatro das metamorfoses... Da ação a transformação.”A metamorfose combina, assim como a máquina deleuziana, realidades heterogenias, mil platôs e correntes de energia.”
 - LEHMANN

Como arte-educadora penso na metodologia que pode ser aplicada aos alunos através dos exercícios do Bob Wilson.

Princípios a serem considerados pelo exercício:

-A fonte de toda a atividade está nas ações e atitudes impulsivas dos seres humanos. É através do impulso que expulsamos nossa força criativa.
-As atividades de expressão liberam a personalidade pela espontaneidade e formam-se pela cultura.
-As atividades artísticas permitem auto-expressão explorando todas
as formas de comunicação humana.
-Somente num clima de liberdade, podemos liberar nossas potencialidades afetivas intelectuais e físicas.
-As atividades de expressão inscrevem-se num contexto contemporâneo e social.
-O meio natural de estudo é através do jogo. O aluno aprende na prática.

Prática Ativa
Difícil tarefa de não buscar significados e enxergar o exercício com olhos de uma criança que são livres de julgamentos e abrir os canais para todas as possibilidades de troca.
Todas as atividades de expressão demandam a solução de problemas que estimularam a descoberta através da ação. Desenvolvendo a capacidade de relacionamento social, espontaneidade, imaginação, observação e percepção.

Coletiva
Nesse processo foi evidenciada a vontade e necessidade de criação coletiva. Foi testada nossa capacidade de respeitar o desejo coletivo de somar as experiências e projetos individuais.
Dimensão de grupo possibilitando a descoberta de si próprio e do outro e do mundo em que rodeia ampliando assim horizontes e repertórios.

Global
As atividades de expressão são multidisciplinares criando relações com elementos cênicos como música, projeção de vídeo, luz e artes plásticas. Valorizando assim a paisagem cênica de todo o conjunto. Entretanto nenhuma destas artes se sobrepujam as outras, elas se sobrepõem e se completam como peças de uma engrenagem única, no desejo espontâneo de expressar-se.
A composição final foi surpreendentemente edificante onde olhos e ouvidos saltaram com o resultado obtido com a limpeza de cena em tão poucas horas de preparação.

 Voluntária
Todos estavam de comum acordo com as atividades que iam exercer.

KOUDELA, Ingrid Dormien. Brecht na pós-modernidade. São Paulo: perspectiva, 2001, p. 86-93
REVERBAL, Olga. Jogos teatrais na escola. Editora Scipione
LEHMANN, Teatro Pós-Dramático


domingo, 20 de maio de 2012

Pistas a partir de Robert Wilson para uma dramaturgia pós dramática
Viviane Dias
Robert Wilson como alimento, fricção para se pensar em uma dramaturgia contemporânea, não dramática. Como essa dramaturgia pode beber, se nutrir, devorar mitos ?http://www.rlwclarke.net/courses/LITS3304/2009-2010/06ALevi-StraussTheStructuralStudyofMyth.pdf
Fragmentos de pensamento à espera de síntese, material de percurso investigativo e reflexão, pistas.
Bob Wilson e ... texto?
 “Ele (Beckett) é um dos poucos dramaturgos que escrevem em imagens (grifo meu). Dias Felizes é um imagem que ele escreveu. A maioria dos autores só escreve palavras.”
...“O que me interessa especialmente na sua obra (de Beckett) são os momentos não verbais”.
O anel de Wagner eu farei em silêncio. Só depois ponho sons. Esse tem sido o meu modo de trabalhar. Aprender a ouvir o silêncio. Compreender o movimento e a imobilidade.
Entrevista O Estado de S. Paulo – 25 de março de 2012 http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,silencio-som-e-furia,853114,0.htm
O Teatro de Wilson é concebido, desde o início, como um Gesamtkunstwerk. Seu ponto de partida está muito longe de ser um texto a ser desenvolvido de acordo com uma série de opções do diretor, feitas durante o processo de encenar a peça. Ele evolui a partir da multiplicidade de elementos envolvidos na encenação da peça ( Galizia, 130, 131).
No teatro tradicional, o foco é o “ enredo” –as palavras, o diálogo ou a razão pela qual as coiasas acontecem- que se sobre põe a uma colagem e a uma base visual. Minha idéia, em parte, era uma colagem visual de imagens e atividades que ocorriam em camadas ou horizontalmente, em zonas de palco estratificadas e claramente definidas e que, de vez em quando, se justapõe em relação ao foco e assim, adquirem relevo...o “ enredo” torna-se, então, todas as ações, entradas e gestos, que assumem proporções de uma concentração minuciosa. Até mesmo a atividade aparentemente menos relevante desabrocha além de toda e qualquer proporção. Não importa como ela aconteça, mas torna-se mais cativante e digna de nota porque vemos a “atividade do palco” como ela é ( como atividade) e torna-se primária, isto é , primordial enquanto interesse ou centro do foco ( visual e teatral_. ( A natureza morta é a natureza viva ). Wilson, “ Productions notes on The king of Spain...p. 256
Como não existe um texto em tono do qual operar escolhas cênicas por parte de um diretor , como acontece no sistema tradicional, em que se lida com roteiros de marcações, feitas em cima de uma peça normal, e como o teatro de Wilson apóia-se na simultaneidade e na justaposição e não na sucessão e na transição, os acontecimentos sobrepostos que formam Stálin foram relacionados de acordo com uma tabela de progressão no tempo. Tudo o que acontece em cena é registrado de acordo com sua duração no tempo e em relação com as doze horas que dura a performance. ( Galizia, 130)
Dramaturgia de “paisagens” e obra aberta. A poética aberta , uma das principais hipóteses da minha pesquisa, e o papel do público na dramaturgia contemporânea.
...continuar a construir peças em que o público não se sinta impedido de ir e vir independentemente do que esteja acontecendo no palco, como se as cenas fossem apenas paisagens, sempre se transformando, mais independentes de um início ou de uma sequência de eventos organizados de forma narrativa. Wilson insiste em que o público precisa desenvolver a liberdade artística tanto quanto os artistas precisam desenvolver outras percepções , já que é o público quem passa a participar criativamente do viver artístico com sua própria imaginação, completando, assim, o espetáculo. (introdução XXXII)
“ Wilson, ao contrário, através do emprego da multiplicidade e da simultaneidade sistemáticas, nunca impõe um único ponto focal á platéia, permitindo ao espectador observar uma série de imagens justapostas, na perspectiva de uma paisagem onde o olhar é estimulado a vagar através da composição, de acordo com o interesse de quem a contempla, A completa ausência de instruções interpretativas, por parte do diretor, libera a platéia da tirania do próprio ponto de vista do artista.”  ( Galizia, 131)
Parto da hipótese que essa dramaturgia capaz de dialogar com mitos faz amplo uso dos mais variados recursos cênicos, que confere à peça um sentido de celebração ao teatro, de metateatro. E que isso coloca a platéia num novo lugar, como mais um agente criativo da obra, capaz de fazer as sínteses possíveis (ou do desejo) de cada um.
“Seu teatro faz uso constante de todos os elementos tradicionais do teatro e da e da ópera, e o artesanato presente em algumas de suas peças – cenários, figurinos, objetos de cena e até mesmo as marcações – lembram as técnicas de encenação do século XIX, anteriores a a Appia. É sua constante alusão às convenções teatrais do passado que coloca seu trabalho no contexto de um comentário contínuo sobre o próprio teatro e lhe confere uma qualidade metateatral, consistente com a atitude contemplativa que ele espera da platéia.” (Galizia, 126)
“O que distingue a arte de Wilson de todas as tentativas precedentes de se atingir uma forma de arte total é, principalmente, o seu simultaneísmo, pois a resolução de opostos e contrastes permanece indefinida, com várias proposições contraditórias apresentando-se ao público ao mesmo tempo, sempre convidando à consideração de uma nova síntese desconhecida.” (Galizia, XXXVI)
“...além disso, a idéia de teatro como combinação de todas as artes é tão antiga quanto o teatro grego, que incluía música e dança; ou coro as feiras medievais e as “máscaras” elisabetanas e jacobinas, só para citar uns poucos exemplos.” (Galizia, XXXIII)
Wilson e mitos? Como extrair pistas dessa relação a partir dos personagens em suas peças? Lehmann diz que Wilson mistura mitos antigos a mitos do universo pop e citações. Qual a relação entre atores e esses personagens ?
“ Nas peças de Wilson, as personagens são antes figuras, cujas estórias estão apenas nas mentes dos espectadores e não na delas. São simplificadas, estereotipadas. Seu comportamento como príncipe e princesa deriva dos trajes que usam, não de sua psicologia....O que não pode ser substituído com facilidade são certas personalidades e não os papéis,  gente como Sheryl Sutton e Cindy Lubar, devido a suas capacidades pessoais.” ( Galizia, 126)

“Na realidade, Wilson jamais negou o fato de que conhecia muito pouco a respeito de Stalin e de que suas informação sobre personalidades como Freud e a Rainha vitória eram quase nulas. Ainda assim suas peças tem a ver com essas personagens a partir de um ponto de vista mais intuitivo, se considerarmos que são figuras históricas que ainda exercem influência marcante sobre nossa época.” (Galizia, 136)
“ A riqueza de imagens, no interior e fora da caverna, quando associadas à figura de Sigmund Freud, desencadeia um processo interminável de associações. Não importa se o espectador conhece alguma coisa a respeito do neto de Freud, pois aqui não se trata da história fatual de sua vida e época. No entanto, o significado da existência de Freud em nossas mentes é evocado com vigor total.  De acordo com Calvim Tomkis, as “ interpretações nascem com demasiada facilidade. Inocência primitiva e civilização decadente. O homem amputado em sua natureza animal ( enquanto Freud é espectador). A caverna de Platão e as sombras das imagens” ( Tomkins, p 45) Na realidade, não existe interpretação ou análise, a partir da perspectiva de Wilson. Com a simultaneidade de imagens, torna impossível a dois espectadores ver a mesma coisa, o que resta para nós é a capacidade gestáltica de uma síntese intuitiva” ( Galizia, 140)
Wilson e “psicologia do coletivo” – universo simbólico, pontes com mitos?
“ vistos dessa forma, os espetáculos de Wilson  podem ser considerados como uma tentativa tchekhoviana de retratar personagens em seu momento de maior alienação quanto a pensamento e propósito, permitindo-lhes então, assim despojados, revelar inconscientemente os seus sentimentos mais secretos, os quais não se poderia conhecer de outra maneira. Por esta razão, podemos relacionar facilmente as experiências de Wilson à de dramaturgos tais como Samuel Beckett, Harold Pinter e Peter Handke. A dificuldade de se compreender a “essência” ou significado das peças de Wilson está, contudo, no fato de que ele não se mostra interessado em revelar a mesma “verdade” psicológica perseguida pelo realismo pós-darwiniano, ou seja, essencialmente baseada na psicologia do indivíduo, e melhor exemplificada pelos estudos de Sigmund Freud, mas sim interessado numa psicologia mais ampla e abrangente do coletivo, melhor exemplificada pelas teorias de Carl Jung (Galizia, XXXIV)
“O teatro de Wilson...liga cada espectador a seu imaginário simbólico, de uma maneira característica da psicologia profunda pós-freudiana” (Galizia, 155)
“Do mesmo modo para a platéia, quando o sono sobrevém, o que se vê no palco e o que se vê na mente perdem suas fronteiras.” (Galizia, 150)
Uma dramaturgia pós dramática requer outro entendimento, mais complexo de "unidade" http://revistasalapreta.com.br/index.php/salapreta/article/viewFile/265/264? De tempo?
Wagner pertence a um mundo em que “ unidade” ainda refere-se ao conceito clássico de unidade  que se originou no teatro grego  : “ um único valor de proximidade  dentro das dimensões de lugar, tempo e caracterização”. Neste contexto, “ ação” significava   um arranjo racional de acontecimentos em sequência”. Contudo, a sensibilidade moderna do século XX desenvolveu um novo sentido de “ unidade” : “ assim como um fenômeno da natureza não poderia mais ser entendido como existindo lá, na simples localização da física clássica, também a obra de arte – peça ou pintura não mais poderia ter um simples aqui e agora, mas uma unidade muito complexa! É neste novo conceito de unidade, não mais característico por sucessão, por transição, mas por justaposição, ou mesmo por superposição, que caracteriza o Gesamtkunstwerk  de Roberto Wilson.” ( Galizia XXXV)

quarta-feira, 16 de maio de 2012


São Paulo, 09 de maio de 2012.
Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo.
Disciplina: Encenações em Jogo: Experimentos de Criação e Aprendizagem do Teatro Contemporâneo
Docente Responsável: Marcos Aurélio Bulhões Martins
Aluna: Laís Marques Silva / Nº USP 3455577
Protocolo sobre Módulo I – “Poéticas Modelares: Robert Wilson”

Na disciplina Encenações em Jogo: Experimentos de Criação e Aprendizagem do Teatro Contemporâneo, ministrada pelo Profº Dr. Marcos Aurélio Bulhões Martins, somos constantemente provocados a refletir sobre as nossas próprias convicções teatrais a partir de um jogo dinâmico entre o saber teórico e a experiência prática da cena. Realizamos um tratamento de “Acupuntura Poética”, sobre o qual alguns conceitos, procedimentos, criadores e pensadores colaboram com estímulos para que o nosso “corpo-pesquisador” conquiste maior vitalidade.
Assim, numa atitude dita “antropofágica”, alguns dispositivos cênicos são testados, sendo que nessa primeira etapa do curso o encenador Bob Wilson serviu-nos como fonte principal de investigação. Como se trata, no entanto, de uma abordagem hipertextual, invariavelmente recorremos a outros materiais: são as teorias da cena contemporânea, desenvolvidas sobretudo por Lehnmann e J. Feral, assim como a idealização e realização dos nossos roteiros cênicos, além de diversos materiais que o coletivo vai agregando ao longo dos encontros que constitui o conjunto maior do exercício em questão. Trata-se, portanto, de um sistema de conhecimento formado em rede onde não existe uma verdade absoluta a ser defendida, mas diferentes pontos de vista a serem frequentemente problematizados.

Algumas questões a serem destacadas na obra do Bob Wilson são: a construção consciente[1] de uma teatralidade gerada pela intensa utilização dos próprios códigos que compõem a linguagem teatral, assim como a dilatação  do tempo no trabalho com a gestualidade dos atores[2]. Tais procedimentos revelam alguns dos princípios que normalmente estão atrelados à cena formalista[3] ou ao teatro dito imagético, ainda que essas categorizações não esgotem as possibilidades de abordagem de uma estética que vive num trânsito dinâmico com outras linguagens, tais como a dança[4], as artes visuais e a ópera. Nesse sentido, o trabalho do ator desenvolvido pelo encenador americano, obviamente nada naturalista, tem como ponto de partida elementos da dança, embora a finalidade seja justamente a sobreposição de uma partitura física (meticulosamente desenhada) à trilha sonora que, necessariamente, não acompanha o ritmo dos movimentos, assim como o texto (fragmentos, colagens, frases repetidas, etc), não ilustra o movimento plástico da cena. A iluminação, por sua vez, pode ser analisada como um elemento dramatúrgico por si e o resultado final é justamente o embaralhamento dessas camadas normalmente apresentadas num formato dito “harmonioso”. Existe humor, ironia e inteligência nessas escolhas. Bob Wilson, que detesta o teatro psicológico, esclarece que  a criação não surge como fruto da “interpretação” conteudística de algum tema abordado[5], nem tem a ilusória pretensão de despejar um único e pré-determinado significado da obra no colo do espectador. Essa oportunidade, ao contrário, é radicalmente oferecida ao publico que, quando disposto e ativo diante do fenômeno teatral pode completar os sentidos que a cena sugere a partir do seu repertório pessoal, tornando-se, desse modo, um co-autor da obra. 

Interessante ressaltar que a organização visivelmente coreográfica do ator na cena pode ser reconhecida como uma estratégia ligada ao sentido de “desempenho espetacular” que ela acarreta, pois Wilson normalmente trabalha  um rigoroso domínio técnico e com outros padrões expressivos e rítmicos do corpo. Assim, a composição feita a partir da câmera lenta[6], repetições, pausas, entre outros comandos, cria um refinado repertório, sugerindo uma tendência performativa desse atores-dançarinos que vão se distanciando de uma expressão mais “antropocentrista” da cena e das próprias expressões humanas[7]. Eles sabem o tempo todo que estão atuando[8] junto a uma complexa engrenagem cênica e preferem exibir o resultado dessa lapidação física às expressões intempestivas de seus temperamentos. Se, por um lado, o trabalho passa pelo conhecimento da mecânica do movimento e do gesto milimetricamente selecionado, por outro, quando esse gesto ganha propriedade naquele corpo, com a arte e a graça daquele criador-intérprete, ele pode ser observado pelo publico sob outros parâmetros, próximos à ideia da Supermarionete, preconizada por Kleist[9].

São escolhas que pressupõem uma visão de mundo, problematizam os limites da linguagem cênica e trabalham com a des-hierarquização dos sentidos.
Nada acontece por acaso no teatro e já chegamos num momento, a considerar o vasto material prático e teórico produzido ao longo dos tempos, em que escolher não agir por acaso tem seu preço, mas também suas vantagens.




Bibliografia:
Algumas entrevistas e depoimentos de Bob Wilson disponíveis na internet:













[1]O desafio como um realizador de teatro é: posso criar algo no palco que me ajude a ouvir melhor quando eu ligo o som? Ou algo que me ajude a ver melhor? Ou posso criar algo que, o que eu diga, me ajude a ouvir melhor? É uma construção. Uma construção consciente” Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/

[2]De algumas maneiras, meu trabalho é próximo ao trabalho do Beckett. Beckett gostava de Charles Chaplin, dos filmes mudos. Se você olhar um filme de Charles Chaplin, é tudo denso, é tudo tempo. Ele tinha que fazer, mais e mais, e mais, até ter o tempo correto. Não havia nada natural ou psicológico.” Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/

[3]O meu teatro é um teatro mais formal. Romeu diz que ama Julieta… é muito complicado. Um teatro mais formal dá mais distância para que você possa ter tempo para reflexão sobre muitas coisas. Eu tento não estabelecer uma interpretação, para que cada um possa livremente fazer associações, livremente pensar, e que aquilo possa ser diferente para cada um, para mim, como diretor, para o ator, para o público. Determinar uma ideia ou uma interpretação é uma mentira.” Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/

[4]Wilson buscava na dança, assim como nos textos, uma reestruturação da mesma. Ou seja, tendo os princípios da dança como ponto de partida e não como fim, queria encontrar um vocabulário próprio que fosse composto através das individualidades e que culminasse numa obra em conjunto. E, assim, ritmos diferentes que convergissem em ritmos próprios. Tinha como referência alguns artistas da dança que propunham um trabalho de arquitetura do espaço e do movimento. E que com o uso de uma linguagem mais abstrata e não-linear proporcionavam desenhos no espaço através do posicionamento dos indivíduos no mesmo. “Eu gostava de Balanchine e de Merce Cunningham porque eu não tinha nem que me preocupar com argumento ou significado. Era só olhar os desenhos, as configurações – e isto já era suficiente. (…) Eu me perguntava se o teatro poderia fazer o mesmo que a dança e ser somente um arranjo arquitetônico de tempo e espaço.” Em:

[5]Em primeiro lugar, não interpreto obras. Interpretação não é responsabilidade do diretor, do ator, do compositor ou do escritor. Interpretação é para o público. Vejo os sonetos como obras cheias de significados, de histórias, a não necessariamente dependentes de uma idéia específica, mas abertas e livres para contemplação”. Em:  http://blogdofavre.ig.com.br/tag/robert-wilson/
[6]Wilson se utiliza da câmera lenta basicamente para que consiga tornar aparentes e mais perceptíveis os momentos, movimentos, reações que normalmente não percebemos. Segundo ele, nosso corpo não consegue acompanhar o ritmo dos nossos pensamentos e, assim, acabamos por não nos permitir utilizar tempo suficiente para experimentar as sensações provenientes de um fluxo tão grande de cognições(…)”. Em: http://poeticasdebobwilson.wordpress.com/2011/01/18/a-danca-em-bob-wilson-parte-ii/

[7] O meu é um trabalho de teatro formal, em que as emoções são contidas e não precisam ser exteriorizadas. Isso é praticamente desconhecido no teatro ocidental, onde os atores tentam agir naturalmente e se projetam para fora (…). Talvez para algumas pessoas isso possa significar falta de expressão ou até mesmo sugerir uma aparência cadavérica, mas, olhando mais de perto, é possível sentir algo diferente.

[8] Então você sabe que os atores estão atuando, eles sabem, e isso é verdade. E eu acho que o naturalismo é geralmente uma mentira porque árvores no palco são artificiais, as luzes, sua voz é artificial. Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/

[9] conf. “O titereiro da graça: Kleist – Sobre o Teatro de Marionetes”. Em Guinsburg, J. Da cena em cena. Perspectiva: SP, 2001.

sábado, 12 de maio de 2012


BOB WILSON

O MESTRE CÊNICO DAS CONTRADIÇÕES






FRAGMENTOS “WILSIANOS”






1-    ISSO É TEATRO?

Quando comecei, nunca considerei que estava fazendo teatro, na verdade. Mas outros acharam que sim. Incorporei ao meu trabalho tudo que eu tinha feito anteriormente e outros elementos que me interessavam, como movimento, pintura, escultura, iluminação, arquitetura, design e fotografia. Se quebrei as regras tradicionais de alguma forma, foi com essa abordagem multidisciplinar. A regra era e ainda é que o texto é o fundamental – mas isso deixa de fora todo o resto e pode ser muito chato e empolado.

2-    MUDANDO PARADIGMAS



O teatro é elitista e hierárquico, e no teatro ocidental o texto é visto como o aspecto mais importante – a música que você ouve e os elementos visuais servem apenas para ilustrar aquele texto. Eu não estava interessado naquilo. Entendi a proposta e aprendi as regras – como todos devemos fazer, se queremos quebrá-las – mas eu queria produzir arquitetura e me concentrar no movimento no palco. 

3-      FAZER PERGUNTAS E NÃO DAR RESPOSTAS


É importante manter as possibilidades abertas fazendo perguntas, não martelando a resposta na cabeça das pessoas. Com isso, permite às pessoas interpretar um trabalho por si próprias, participando de sua construção, em vez de fazer o trabalho por elas. Saber uma coisa de antemão não vale a pena, no meu entender. 

4-      RETIRANDO O VÉU!!!






Sócrates disse que nascemos sabendo de tudo, e que o conhecimento é apenas o processo de retirar o véu. A vanguarda faz algo parecido quando redescobre o clássico, quando redescobre a verdade.





PROTOCOLO FEITO POR MARCELO BRAGA EM MAIO/2012