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sexta-feira, 4 de maio de 2012


PROTOCOLO BOB WILSON
EU ESTAVA SENTADO NO MEU PÁTIO ESTE CARA APARECEU E EU PENSEI QUE ESTAVA ENcenando
ou
O TEATRO DE BOB WILSON COMO METODOLOGIA DE ENSINO

A Pedagogia Wilson.
Para além dos procedimentos, para além de exercícios de estilo, um jeito de pensar.
(Pensar=criar).
Trabalho de Arte Total (Gesamtkunstwerk não-wagneriana).
Encenação como ensinação.

                        O teatro contemporâneo pode ser modelo para o ensino do teatro? Esta foi uma das questões que enfrentei em meu mestrado (João, Artur e Alice: brincando de fazer teatro nacontemporaneidade). Lá no final surgiu o nome de Bob Wilson (pág. 116-154) e um paralelo com a utilização que se faz dos computadores. Se um adolescente, na frente de sua tela particular, vê/ouve ao mesmo tempo vídeos no youtube, músicas, acessa os e.mails e os recados no facebook, troca impressões com cinco, seis dez amigos interligados, posta e vê fotos e vídeos caseiros, acessa links, joga on line e mais coisas ainda que não pertencem à minha experiência, por que não usar esse forma de “pensamento conectado” em suas produções artísticas? 

Os processos criativos de Robert Wilson.
Bob Galizia Wilson.
O que eu posso aprender com o teatro de Bob Wilson?
O que me interessa aqui: a pedagogia Bob Wilson.
Menos um exercício de estilo, mais um exercício de pensamento.
Estética. Criação=pensamento.
Eu estava sentado no meu pátio este cara apareceu e eu pensei que estava enlouquecendo.
Menos os procedimentos, mais a encenação.
Gesamtkunstwerk wagneriana.

                “Gesamtkunstwerk significa apenas um ‘trabalho de arte total’ e, no caso de Wilson, não exatamente como Richard Wagner a entendia. Wilson não está interessado somente numa fusão das artes (...). Ao invés de fusão, Wilson engendra uma justaposição de modos diferentes da expressão humana. (...) Wilson simplifica os elementos do espetáculo de modo a fazê-lo emergir como unidades artísticas autônomas. (...) De fato, ao invés do resultado constituir-se na expressão de uma só linguagem artística, com todas as modalidades convergindo para moldar um único significado, o que transpira, nas peças de Wilson, é uma multiplicidade de linguagens, frequentemente divergentes em significados. (...) É este novo conceito de unidade, não mais caracterizado por sucessão, por transição, mas por justaposição, ou mesmo por superposição, que caracteriza o Gesamtkunstwerk de Robert Wilson.” (Galizia).

O que interessa no teatro de Bob Wilson para iniciantes em teatro? Essa tal de Obra de Arte Total. A encenação polifônica. (Polifônica?) A disjunção das linguagens da cena.

                        Trabalhar o modelo de encenação de Bob Wilson como método de ensino do teatro abre possibilidades de exploração de outras linguagens artísticas abarcadas pelo teatro contemporâneo. O participante/aluno deste processo pedagógico/artístico, em sua compreensão do fenômeno teatral, pode interessar-se por e expressar-se em outras formas cênicas, não necessariamente àquelas restritas à arte do ator. E se sua expressão/criação é individual, mesmo assim pode dialogar com o coletivo. Atritar com supostas unidades cênicas.
                        Nos estudos literários contemporâneos há uma proposição que dialoga (se contrapõe?) com o conceito de polifonia formulado por Bakhtin a partir do romance de Dostoievski e que é a do arranjador. Não saberei aqui citar o autor, mas a encontrei na tese de doutoramento de Caetano W. Galindo, que a utilizou para analisar a presença do narrador na obra de James Joyce, Ulysses. O que se propõe é ver o criador menos como um grande compositor de sinfonias (Dostoievski) que articula as vozes dentro do romance, e mais como um arranjador jazzístico (Joyce), isto é, que indica a entrada em cena das vozes-solos deixando que estas exponham não apenas seus pontos de vista, mas principalmente suas formas de expressão, independentes do todo.

                “Caos e ordem não são antípodas, (...) na realidade funcionam como complementares” (Galizia).

Pensar separadamente os elementos visuais e sonoros.
E pensar separadamente o que é fala do que é música. O que é gesto do que é cenografia. Separar, separar, separar. Depois juntar tudo, simultaneamente. Sem preocupar-se com a unidade. Links, ramificações de pensamentos, opções de escolha para os olhos, o espectador como construtor de sua própria leitura. Rizoma.
O artista como provocador de sensações e pensamentos, não como condutor de um pensamento único. Em lugar de um pensamento totalitário, uma criação múltipla.

                “Wilson insiste em que o público precisa desenvolver outras percepções, já que é o público quem passa a participar criativamente do viver artístico com sua própria imaginação, completando, assim, o espetáculo.” (Galizia).
           
                        A compreensão da criação artística (os processos de criação tanto individuais como coletivos) contemporâneo possibilita também o surgimento de um novo espectador. O aluno que passa por um processo artístico e pedagógico tendo como modelo a encenação de Bob Wilson provavelmente desenvolverá outras ferramentas críticas e de recepção, sejam para obras de arte, sejam para a vida em si.
               
Teatro de convenções.
Repensar o tempo do gesto. Os tempos dos gestos. Dilatá-los, amplificá-los, minimizá-los, acelerá-los, retardá-los, tudoaomesmotempoaquiagora.
Simultaneidade.
O espectador como o usuário do computador: conversas múltiplas e díspares, sequência de músicas selecionadas aleatoriamente, vídeofotosyoutube, tudoaomesmotempoaquiagora. Na frente da tela, selecionando. De frente ao palco, selecionando.
Falo aqui do Bob Galizia Wilson. Bibliografia de férias de inverno na professora Ingrid Koudela já lá se vão 26 anos!
Bob Galizia Wilson “devorado” nos anos dois mil como forma de falar esteticamente sobre sonhos e tempos com adolescentes (não disse “para” adolescentes, disse “com” adolescentes). Livro-suporte: Alice no País das Maravilhas. Espetáculo-sonho: Não é Alice no País das Maravilhas.

                “A vida é uma linguagem sem denotação” (Stephen Brecht apud Galizia).

Se no meio do que você está fazendo você pára. (Arnaldo Antunes)
E se o tempo parar? E se o tempo ralentar? E se o tempo acelerar? E se o tempo?
Citações: Poesia Concreta, John Cage, Minimalismo, Fluxus, Pina Bausch, Arnaldo Antunes, Helio Oiticica, José Roberto Aguilar, Philip Glass, Heiner Müller, Freud, Disney, Lewis Carroll, Pop Art, Andy Warhol, tudo atravessado pelo pensar/fazer de um Bob Wilson Tupiniquim Metido a Besta Professor de Teatro.

                “A resposta é emocional ao invés de racional” (Wilson apud Galízia).

Dissociações criando sentidos na cabeça da plateia. Gesto para um lado, palavras para outro, imagens ououtro, sons ouououtro.
Dançar a sua dança. No seu ritmo. No seu gesto.

                “... proporcionar situações que dêem a cada pessoa a oportunidade de fazer descobertas sobre si mesma e de desenvolver a confiança em suas próprias habilidades” (Relatório da Fundação Byrd Hoffman apud Galizia).

                        Ainda que lá em cima tenha dito “para além dos procedimentos, para além de exercícios de estilo, um jeito de pensar”, os procedimentos pedagógicos de criação e ensaio de Robert Wilson para o ator/performer iniciante são valiosos. Descobrir sua dança particular, seu gesto particular, seus ritmos particulares e reelaborá-los esteticamente. Educação dos sentidos.

                “Robert Wilson é, na verdade, uma espécie de ressonador e, ao mesmo tempo, catalisador de algumas conquistas artísticas que marcam, particularmente, uma fatia importante do século XX.” (Galizia).

                Bibliografia:
                GALINDO, Caetano W. Abre Aspas: a representação da palavra do outro no Ulysses de James Joyce e seu possível convívio com a palavra de Bakhtin. Tese de Doutoramento. FFLCH-USP, São Paulo, 2006.
    GALIZIA, Luís Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. Ed. Perspectiva. São Paulo, 2006.
                GIANINI, Marcelo. João, Artur e Alice: brincando de fazer teatro na contemporaneidade (Processos de criação como prática pedagógica). Dissertação de Mestrado. ECA-USP, São Paulo, 2009.

Marcelo Gianini, Santandré/Maceió, abrilmaio de 2012.

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