Pistas a partir de Robert Wilson para uma dramaturgia pós dramática
Viviane Dias
Robert Wilson como alimento, fricção para se pensar em uma dramaturgia contemporânea, não dramática. Como essa dramaturgia pode beber, se nutrir, devorar mitos ?http://www.rlwclarke.net/courses/LITS3304/2009-2010/06ALevi-StraussTheStructuralStudyofMyth.pdf
Fragmentos de pensamento à espera de síntese, material de percurso investigativo e reflexão, pistas.
Bob Wilson e ... texto?
“Ele (Beckett) é um dos poucos dramaturgos que escrevem em imagens (grifo meu). Dias Felizes é um imagem que ele escreveu. A maioria dos autores só escreve palavras.”
...“O que me interessa especialmente na sua obra (de Beckett) são os momentos não verbais”.
O anel de Wagner eu farei em silêncio. Só depois ponho sons. Esse tem sido o meu modo de trabalhar. Aprender a ouvir o silêncio. Compreender o movimento e a imobilidade.
Entrevista O Estado de S. Paulo – 25 de março de 2012 http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,silencio-som-e-furia,853114,0.htm
O Teatro de Wilson é concebido, desde o início, como um Gesamtkunstwerk. Seu ponto de partida está muito longe de ser um texto a ser desenvolvido de acordo com uma série de opções do diretor, feitas durante o processo de encenar a peça. Ele evolui a partir da multiplicidade de elementos envolvidos na encenação da peça ( Galizia, 130, 131).
No teatro tradicional, o foco é o “ enredo” –as palavras, o diálogo ou a razão pela qual as coiasas acontecem- que se sobre põe a uma colagem e a uma base visual. Minha idéia, em parte, era uma colagem visual de imagens e atividades que ocorriam em camadas ou horizontalmente, em zonas de palco estratificadas e claramente definidas e que, de vez em quando, se justapõe em relação ao foco e assim, adquirem relevo...o “ enredo” torna-se, então, todas as ações, entradas e gestos, que assumem proporções de uma concentração minuciosa. Até mesmo a atividade aparentemente menos relevante desabrocha além de toda e qualquer proporção. Não importa como ela aconteça, mas torna-se mais cativante e digna de nota porque vemos a “atividade do palco” como ela é ( como atividade) e torna-se primária, isto é , primordial enquanto interesse ou centro do foco ( visual e teatral_. ( A natureza morta é a natureza viva ). Wilson, “ Productions notes on The king of Spain...p. 256
Como não existe um texto em tono do qual operar escolhas cênicas por parte de um diretor , como acontece no sistema tradicional, em que se lida com roteiros de marcações, feitas em cima de uma peça normal, e como o teatro de Wilson apóia-se na simultaneidade e na justaposição e não na sucessão e na transição, os acontecimentos sobrepostos que formam Stálin foram relacionados de acordo com uma tabela de progressão no tempo. Tudo o que acontece em cena é registrado de acordo com sua duração no tempo e em relação com as doze horas que dura a performance. ( Galizia, 130)
Dramaturgia de “paisagens” e obra aberta. A poética aberta , uma das principais hipóteses da minha pesquisa, e o papel do público na dramaturgia contemporânea.
...continuar a construir peças em que o público não se sinta impedido de ir e vir independentemente do que esteja acontecendo no palco, como se as cenas fossem apenas paisagens, sempre se transformando, mais independentes de um início ou de uma sequência de eventos organizados de forma narrativa. Wilson insiste em que o público precisa desenvolver a liberdade artística tanto quanto os artistas precisam desenvolver outras percepções , já que é o público quem passa a participar criativamente do viver artístico com sua própria imaginação, completando, assim, o espetáculo. (introdução XXXII)
“ Wilson, ao contrário, através do emprego da multiplicidade e da simultaneidade sistemáticas, nunca impõe um único ponto focal á platéia, permitindo ao espectador observar uma série de imagens justapostas, na perspectiva de uma paisagem onde o olhar é estimulado a vagar através da composição, de acordo com o interesse de quem a contempla, A completa ausência de instruções interpretativas, por parte do diretor, libera a platéia da tirania do próprio ponto de vista do artista.” ( Galizia, 131)
Parto da hipótese que essa dramaturgia capaz de dialogar com mitos faz amplo uso dos mais variados recursos cênicos, que confere à peça um sentido de celebração ao teatro, de metateatro. E que isso coloca a platéia num novo lugar, como mais um agente criativo da obra, capaz de fazer as sínteses possíveis (ou do desejo) de cada um.
“Seu teatro faz uso constante de todos os elementos tradicionais do teatro e da e da ópera, e o artesanato presente em algumas de suas peças – cenários, figurinos, objetos de cena e até mesmo as marcações – lembram as técnicas de encenação do século XIX, anteriores a a Appia. É sua constante alusão às convenções teatrais do passado que coloca seu trabalho no contexto de um comentário contínuo sobre o próprio teatro e lhe confere uma qualidade metateatral, consistente com a atitude contemplativa que ele espera da platéia.” (Galizia, 126)
“O que distingue a arte de Wilson de todas as tentativas precedentes de se atingir uma forma de arte total é, principalmente, o seu simultaneísmo, pois a resolução de opostos e contrastes permanece indefinida, com várias proposições contraditórias apresentando-se ao público ao mesmo tempo, sempre convidando à consideração de uma nova síntese desconhecida.” (Galizia, XXXVI)
“...além disso, a idéia de teatro como combinação de todas as artes é tão antiga quanto o teatro grego, que incluía música e dança; ou coro as feiras medievais e as “máscaras” elisabetanas e jacobinas, só para citar uns poucos exemplos.” (Galizia, XXXIII)
Wilson e mitos? Como extrair pistas dessa relação a partir dos personagens em suas peças? Lehmann diz que Wilson mistura mitos antigos a mitos do universo pop e citações. Qual a relação entre atores e esses personagens ?
“ Nas peças de Wilson, as personagens são antes figuras, cujas estórias estão apenas nas mentes dos espectadores e não na delas. São simplificadas, estereotipadas. Seu comportamento como príncipe e princesa deriva dos trajes que usam, não de sua psicologia....O que não pode ser substituído com facilidade são certas personalidades e não os papéis, gente como Sheryl Sutton e Cindy Lubar, devido a suas capacidades pessoais.” ( Galizia, 126)
“Na realidade, Wilson jamais negou o fato de que conhecia muito pouco a respeito de Stalin e de que suas informação sobre personalidades como Freud e a Rainha vitória eram quase nulas. Ainda assim suas peças tem a ver com essas personagens a partir de um ponto de vista mais intuitivo, se considerarmos que são figuras históricas que ainda exercem influência marcante sobre nossa época.” (Galizia, 136)
“ A riqueza de imagens, no interior e fora da caverna, quando associadas à figura de Sigmund Freud, desencadeia um processo interminável de associações. Não importa se o espectador conhece alguma coisa a respeito do neto de Freud, pois aqui não se trata da história fatual de sua vida e época. No entanto, o significado da existência de Freud em nossas mentes é evocado com vigor total. De acordo com Calvim Tomkis, as “ interpretações nascem com demasiada facilidade. Inocência primitiva e civilização decadente. O homem amputado em sua natureza animal ( enquanto Freud é espectador). A caverna de Platão e as sombras das imagens” ( Tomkins, p 45) Na realidade, não existe interpretação ou análise, a partir da perspectiva de Wilson. Com a simultaneidade de imagens, torna impossível a dois espectadores ver a mesma coisa, o que resta para nós é a capacidade gestáltica de uma síntese intuitiva” ( Galizia, 140)
Wilson e “psicologia do coletivo” – universo simbólico, pontes com mitos?
“ vistos dessa forma, os espetáculos de Wilson podem ser considerados como uma tentativa tchekhoviana de retratar personagens em seu momento de maior alienação quanto a pensamento e propósito, permitindo-lhes então, assim despojados, revelar inconscientemente os seus sentimentos mais secretos, os quais não se poderia conhecer de outra maneira. Por esta razão, podemos relacionar facilmente as experiências de Wilson à de dramaturgos tais como Samuel Beckett, Harold Pinter e Peter Handke. A dificuldade de se compreender a “essência” ou significado das peças de Wilson está, contudo, no fato de que ele não se mostra interessado em revelar a mesma “verdade” psicológica perseguida pelo realismo pós-darwiniano, ou seja, essencialmente baseada na psicologia do indivíduo, e melhor exemplificada pelos estudos de Sigmund Freud, mas sim interessado numa psicologia mais ampla e abrangente do coletivo, melhor exemplificada pelas teorias de Carl Jung (Galizia, XXXIV)
“O teatro de Wilson...liga cada espectador a seu imaginário simbólico, de uma maneira característica da psicologia profunda pós-freudiana” (Galizia, 155)
“Do mesmo modo para a platéia, quando o sono sobrevém, o que se vê no palco e o que se vê na mente perdem suas fronteiras.” (Galizia, 150)
Uma dramaturgia pós dramática requer outro entendimento, mais complexo de "unidade" http://revistasalapreta.com.br/index.php/salapreta/article/viewFile/265/264? De tempo?
Wagner pertence a um mundo em que “ unidade” ainda refere-se ao conceito clássico de unidade que se originou no teatro grego : “ um único valor de proximidade dentro das dimensões de lugar, tempo e caracterização”. Neste contexto, “ ação” significava um arranjo racional de acontecimentos em sequência”. Contudo, a sensibilidade moderna do século XX desenvolveu um novo sentido de “ unidade” : “ assim como um fenômeno da natureza não poderia mais ser entendido como existindo lá, na simples localização da física clássica, também a obra de arte – peça ou pintura não mais poderia ter um simples aqui e agora, mas uma unidade muito complexa! É neste novo conceito de unidade, não mais característico por sucessão, por transição, mas por justaposição, ou mesmo por superposição, que caracteriza o Gesamtkunstwerk de Roberto Wilson.” ( Galizia XXXV)
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