PROTOCOLO BOB WILSON
Por Biagio Pecorelli
O homem de vestido sou eu. Levantei a
xícara lento, muito lento - boca calada não entra mosquito. Olhar fixo num ponto
escuro do público. A respiração procura conter a vontade de chegar logo. Não é
preciso chegar logo. Não é preciso logos.
É preciso ser preciso. Precisamente nada. (Do meu caderno de anotações da aula).
Durante os meses de março e abril
de 2012, estivemos, sob a coordenação de Marcos Bulhões, mergulhados na obra do
encenador norte-americano Robert Wilson,
na disciplina do Programa de Pós-graduação em Artes Cênica ECA/USP “Encenações
em jogo: experimentos de criação e aprendizagem do teatro contemporâneo”. O
objetivo não era cultuar a vasta obra deste que é, certamente, um dos nomes mais
relevantes do teatro mundial do século 20 e da atualidade, mas compreender/capturar
procedimentos utilizados por Wilson em suas encenações para ressignificá-los,
ao nosso modo, como recurso pedagógico, visando ao exercício de jogos
performativos. Para tanto, utilizamos não apenas imagens do teatro de Bob
Wilson – especificamente, os registros áudio-visuais de sua encenação Fábulas de La Fontaine (2004) e o documentário biográfico Absolute Wilson -, como
entrevistas com o encenador e o livro Os
processos criativos de Robert Wilson: trabalhos de arte total para o teatro americano
contemporâneo, de Luiz
Roberto Galizia, que nos anos 80 produziu esse importante dossiê de sua
experiência como pesquisador ao lado de Bob.
Dentre os procedimentos que
encontramos na obra de Wilson estão: a musicalização da cena; a neutralização
das emoções; o estranhamento (não-brechtiano) dos gestos; uma “dramaturgia da
luz”; o uso de máscaras; um forte apelo onírico, em oposição ao teatro realista
dominante (oposição esta que, aliás, teria arrancado elogios, nos anos 70, de Louis Aragon, um dos nomes
mais importantes do Surrealismo); uma dilatação do tempo; uma “arquitetura
musical” composta mormente em parceria com o músico Philip Glass; o uso de cenas simultâneas
e justapostas, possibilitando uma escolha de foco pelo público; um detalhamento
precioso dos gestos dos atores. Destaco ainda um esvaziamento geral dos
sentidos, que para Wilson exerce importância central ao deslocar para o público
praticamente toda a tarefa de significar, de criar possibilidades de leitura
daquilo com que se depara no palco. Todos esses elementos compõem, para Galizia,
a Gesamtkunstwerk de Bob Wilson, o
que equivale a dizer que a visão de “obra total” do encenador (como, aliás, é
marcante no teatro contemporâneo, “performativo”/“pós-dramático”, do qual
Wilson é apenas um dos nomes mais destacados) encontra-se muito longe daquilo
que foi idealizado por Richard
Wagner em fins do século 19, ao privilegiar o fragmento, a dissonância em
detrimento de uma visão totalizante e harmônica de ópera.
Em paralelo às discussões geradas
pelo contato com a obra de Wilson (que coincidiu com a vinda do encenador ao
Brasil e à cidade de São Paulo para apresentar a sua versão para A última gravação de Krapp,
texto de Samuel Beckett),
trabalhamos semanalmente na construção de roteiros individuais criados à luz
dos procedimentos de Wilson. A ideia, mais uma vez, não era reproduzir o teatro
wilsoniano, mas realizar uma “antropofagia” dos seus métodos e/ou imagens para,
a partir destes, gerar processos de ensino/aprendizagem que pudessem ser úteis em
nossas práticas pedagógicas. Nesse sentido, criamos três roteiros ao longo
destes meses, dos quais chegamos a um único roteiro, em grupo, que levamos ao
palco na tarde do dia 26 de abril.
O grupo que integrei (02) compôs um roteiro híbrido, que
privilegiava o uso de cores na cena, a justaposição e, especialmente, a dilatação
temporal, com gestos lentos, resistindo às resoluções. A trilha utilizada
consistia numa massa sonora do compositor húngaro György Ligeti, Volumina (1), que pudesse
também criar mais sinestesia que entendimento. Aliás, todos os grupos usaram,
cada qual ao seu modo, elementos característicos do teatro de Bob Wilson para
uma criação particular, que deixou o renomado encenador apenas como figura de
fundo para uma rica experiência pedagógica de dramaturgia e encenação
contemporâneas.
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