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quarta-feira, 9 de maio de 2012


PROTOCOLO BOB WILSON
Por Biagio Pecorelli
O homem de vestido sou eu. Levantei a xícara lento, muito lento - boca calada não entra mosquito. Olhar fixo num ponto escuro do público. A respiração procura conter a vontade de chegar logo. Não é preciso chegar logo. Não é preciso logos. É preciso ser preciso. Precisamente nada. (Do meu caderno de anotações da aula).

Durante os meses de março e abril de 2012, estivemos, sob a coordenação de Marcos Bulhões, mergulhados na obra do encenador norte-americano Robert Wilson, na disciplina do Programa de Pós-graduação em Artes Cênica ECA/USP “Encenações em jogo: experimentos de criação e aprendizagem do teatro contemporâneo”. O objetivo não era cultuar a vasta obra deste que é, certamente, um dos nomes mais relevantes do teatro mundial do século 20 e da atualidade, mas compreender/capturar procedimentos utilizados por Wilson em suas encenações para ressignificá-los, ao nosso modo, como recurso pedagógico, visando ao exercício de jogos performativos. Para tanto, utilizamos não apenas imagens do teatro de Bob Wilson – especificamente, os registros áudio-visuais de sua encenação Fábulas de La Fontaine (2004) e o documentário biográfico Absolute Wilson -, como entrevistas com o encenador e o livro Os processos criativos de Robert Wilson: trabalhos de arte total para o teatro americano contemporâneo, de Luiz Roberto Galizia, que nos anos 80 produziu esse importante dossiê de sua experiência como pesquisador ao lado de Bob.

Dentre os procedimentos que encontramos na obra de Wilson estão: a musicalização da cena; a neutralização das emoções; o estranhamento (não-brechtiano) dos gestos; uma “dramaturgia da luz”; o uso de máscaras; um forte apelo onírico, em oposição ao teatro realista dominante (oposição esta que, aliás, teria arrancado elogios, nos anos 70, de Louis Aragon, um dos nomes mais importantes do Surrealismo); uma dilatação do tempo; uma “arquitetura musical” composta mormente em parceria com o músico Philip Glass; o uso de cenas simultâneas e justapostas, possibilitando uma escolha de foco pelo público; um detalhamento precioso dos gestos dos atores. Destaco ainda um esvaziamento geral dos sentidos, que para Wilson exerce importância central ao deslocar para o público praticamente toda a tarefa de significar, de criar possibilidades de leitura daquilo com que se depara no palco. Todos esses elementos compõem, para Galizia, a Gesamtkunstwerk de Bob Wilson, o que equivale a dizer que a visão de “obra total” do encenador (como, aliás, é marcante no teatro contemporâneo, “performativo”/“pós-dramático”, do qual Wilson é apenas um dos nomes mais destacados) encontra-se muito longe daquilo que foi idealizado por Richard Wagner em fins do século 19, ao privilegiar o fragmento, a dissonância em detrimento de uma visão totalizante e harmônica de ópera.

Em paralelo às discussões geradas pelo contato com a obra de Wilson (que coincidiu com a vinda do encenador ao Brasil e à cidade de São Paulo para apresentar a sua versão para A última gravação de Krapp, texto de Samuel Beckett), trabalhamos semanalmente na construção de roteiros individuais criados à luz dos procedimentos de Wilson. A ideia, mais uma vez, não era reproduzir o teatro wilsoniano, mas realizar uma “antropofagia” dos seus métodos e/ou imagens para, a partir destes, gerar processos de ensino/aprendizagem que pudessem ser úteis em nossas práticas pedagógicas. Nesse sentido, criamos três roteiros ao longo destes meses, dos quais chegamos a um único roteiro, em grupo, que levamos ao palco na tarde do dia 26 de abril.

O grupo que integrei (02) compôs um roteiro híbrido, que privilegiava o uso de cores na cena, a justaposição e, especialmente, a dilatação temporal, com gestos lentos, resistindo às resoluções. A trilha utilizada consistia numa massa sonora do compositor húngaro György Ligeti, Volumina (1), que pudesse também criar mais sinestesia que entendimento. Aliás, todos os grupos usaram, cada qual ao seu modo, elementos característicos do teatro de Bob Wilson para uma criação particular, que deixou o renomado encenador apenas como figura de fundo para uma rica experiência pedagógica de dramaturgia e encenação contemporâneas.

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