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quarta-feira, 16 de maio de 2012


São Paulo, 09 de maio de 2012.
Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo.
Disciplina: Encenações em Jogo: Experimentos de Criação e Aprendizagem do Teatro Contemporâneo
Docente Responsável: Marcos Aurélio Bulhões Martins
Aluna: Laís Marques Silva / Nº USP 3455577
Protocolo sobre Módulo I – “Poéticas Modelares: Robert Wilson”

Na disciplina Encenações em Jogo: Experimentos de Criação e Aprendizagem do Teatro Contemporâneo, ministrada pelo Profº Dr. Marcos Aurélio Bulhões Martins, somos constantemente provocados a refletir sobre as nossas próprias convicções teatrais a partir de um jogo dinâmico entre o saber teórico e a experiência prática da cena. Realizamos um tratamento de “Acupuntura Poética”, sobre o qual alguns conceitos, procedimentos, criadores e pensadores colaboram com estímulos para que o nosso “corpo-pesquisador” conquiste maior vitalidade.
Assim, numa atitude dita “antropofágica”, alguns dispositivos cênicos são testados, sendo que nessa primeira etapa do curso o encenador Bob Wilson serviu-nos como fonte principal de investigação. Como se trata, no entanto, de uma abordagem hipertextual, invariavelmente recorremos a outros materiais: são as teorias da cena contemporânea, desenvolvidas sobretudo por Lehnmann e J. Feral, assim como a idealização e realização dos nossos roteiros cênicos, além de diversos materiais que o coletivo vai agregando ao longo dos encontros que constitui o conjunto maior do exercício em questão. Trata-se, portanto, de um sistema de conhecimento formado em rede onde não existe uma verdade absoluta a ser defendida, mas diferentes pontos de vista a serem frequentemente problematizados.

Algumas questões a serem destacadas na obra do Bob Wilson são: a construção consciente[1] de uma teatralidade gerada pela intensa utilização dos próprios códigos que compõem a linguagem teatral, assim como a dilatação  do tempo no trabalho com a gestualidade dos atores[2]. Tais procedimentos revelam alguns dos princípios que normalmente estão atrelados à cena formalista[3] ou ao teatro dito imagético, ainda que essas categorizações não esgotem as possibilidades de abordagem de uma estética que vive num trânsito dinâmico com outras linguagens, tais como a dança[4], as artes visuais e a ópera. Nesse sentido, o trabalho do ator desenvolvido pelo encenador americano, obviamente nada naturalista, tem como ponto de partida elementos da dança, embora a finalidade seja justamente a sobreposição de uma partitura física (meticulosamente desenhada) à trilha sonora que, necessariamente, não acompanha o ritmo dos movimentos, assim como o texto (fragmentos, colagens, frases repetidas, etc), não ilustra o movimento plástico da cena. A iluminação, por sua vez, pode ser analisada como um elemento dramatúrgico por si e o resultado final é justamente o embaralhamento dessas camadas normalmente apresentadas num formato dito “harmonioso”. Existe humor, ironia e inteligência nessas escolhas. Bob Wilson, que detesta o teatro psicológico, esclarece que  a criação não surge como fruto da “interpretação” conteudística de algum tema abordado[5], nem tem a ilusória pretensão de despejar um único e pré-determinado significado da obra no colo do espectador. Essa oportunidade, ao contrário, é radicalmente oferecida ao publico que, quando disposto e ativo diante do fenômeno teatral pode completar os sentidos que a cena sugere a partir do seu repertório pessoal, tornando-se, desse modo, um co-autor da obra. 

Interessante ressaltar que a organização visivelmente coreográfica do ator na cena pode ser reconhecida como uma estratégia ligada ao sentido de “desempenho espetacular” que ela acarreta, pois Wilson normalmente trabalha  um rigoroso domínio técnico e com outros padrões expressivos e rítmicos do corpo. Assim, a composição feita a partir da câmera lenta[6], repetições, pausas, entre outros comandos, cria um refinado repertório, sugerindo uma tendência performativa desse atores-dançarinos que vão se distanciando de uma expressão mais “antropocentrista” da cena e das próprias expressões humanas[7]. Eles sabem o tempo todo que estão atuando[8] junto a uma complexa engrenagem cênica e preferem exibir o resultado dessa lapidação física às expressões intempestivas de seus temperamentos. Se, por um lado, o trabalho passa pelo conhecimento da mecânica do movimento e do gesto milimetricamente selecionado, por outro, quando esse gesto ganha propriedade naquele corpo, com a arte e a graça daquele criador-intérprete, ele pode ser observado pelo publico sob outros parâmetros, próximos à ideia da Supermarionete, preconizada por Kleist[9].

São escolhas que pressupõem uma visão de mundo, problematizam os limites da linguagem cênica e trabalham com a des-hierarquização dos sentidos.
Nada acontece por acaso no teatro e já chegamos num momento, a considerar o vasto material prático e teórico produzido ao longo dos tempos, em que escolher não agir por acaso tem seu preço, mas também suas vantagens.




Bibliografia:
Algumas entrevistas e depoimentos de Bob Wilson disponíveis na internet:













[1]O desafio como um realizador de teatro é: posso criar algo no palco que me ajude a ouvir melhor quando eu ligo o som? Ou algo que me ajude a ver melhor? Ou posso criar algo que, o que eu diga, me ajude a ouvir melhor? É uma construção. Uma construção consciente” Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/

[2]De algumas maneiras, meu trabalho é próximo ao trabalho do Beckett. Beckett gostava de Charles Chaplin, dos filmes mudos. Se você olhar um filme de Charles Chaplin, é tudo denso, é tudo tempo. Ele tinha que fazer, mais e mais, e mais, até ter o tempo correto. Não havia nada natural ou psicológico.” Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/

[3]O meu teatro é um teatro mais formal. Romeu diz que ama Julieta… é muito complicado. Um teatro mais formal dá mais distância para que você possa ter tempo para reflexão sobre muitas coisas. Eu tento não estabelecer uma interpretação, para que cada um possa livremente fazer associações, livremente pensar, e que aquilo possa ser diferente para cada um, para mim, como diretor, para o ator, para o público. Determinar uma ideia ou uma interpretação é uma mentira.” Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/

[4]Wilson buscava na dança, assim como nos textos, uma reestruturação da mesma. Ou seja, tendo os princípios da dança como ponto de partida e não como fim, queria encontrar um vocabulário próprio que fosse composto através das individualidades e que culminasse numa obra em conjunto. E, assim, ritmos diferentes que convergissem em ritmos próprios. Tinha como referência alguns artistas da dança que propunham um trabalho de arquitetura do espaço e do movimento. E que com o uso de uma linguagem mais abstrata e não-linear proporcionavam desenhos no espaço através do posicionamento dos indivíduos no mesmo. “Eu gostava de Balanchine e de Merce Cunningham porque eu não tinha nem que me preocupar com argumento ou significado. Era só olhar os desenhos, as configurações – e isto já era suficiente. (…) Eu me perguntava se o teatro poderia fazer o mesmo que a dança e ser somente um arranjo arquitetônico de tempo e espaço.” Em:

[5]Em primeiro lugar, não interpreto obras. Interpretação não é responsabilidade do diretor, do ator, do compositor ou do escritor. Interpretação é para o público. Vejo os sonetos como obras cheias de significados, de histórias, a não necessariamente dependentes de uma idéia específica, mas abertas e livres para contemplação”. Em:  http://blogdofavre.ig.com.br/tag/robert-wilson/
[6]Wilson se utiliza da câmera lenta basicamente para que consiga tornar aparentes e mais perceptíveis os momentos, movimentos, reações que normalmente não percebemos. Segundo ele, nosso corpo não consegue acompanhar o ritmo dos nossos pensamentos e, assim, acabamos por não nos permitir utilizar tempo suficiente para experimentar as sensações provenientes de um fluxo tão grande de cognições(…)”. Em: http://poeticasdebobwilson.wordpress.com/2011/01/18/a-danca-em-bob-wilson-parte-ii/

[7] O meu é um trabalho de teatro formal, em que as emoções são contidas e não precisam ser exteriorizadas. Isso é praticamente desconhecido no teatro ocidental, onde os atores tentam agir naturalmente e se projetam para fora (…). Talvez para algumas pessoas isso possa significar falta de expressão ou até mesmo sugerir uma aparência cadavérica, mas, olhando mais de perto, é possível sentir algo diferente.

[8] Então você sabe que os atores estão atuando, eles sabem, e isso é verdade. E eu acho que o naturalismo é geralmente uma mentira porque árvores no palco são artificiais, as luzes, sua voz é artificial. Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/

[9] conf. “O titereiro da graça: Kleist – Sobre o Teatro de Marionetes”. Em Guinsburg, J. Da cena em cena. Perspectiva: SP, 2001.

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