São Paulo, 09
de maio de 2012.
Programa de
Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo.
Disciplina: Encenações em Jogo: Experimentos de
Criação e Aprendizagem do Teatro Contemporâneo
Docente Responsável: Marcos
Aurélio Bulhões Martins
Aluna:
Laís Marques Silva / Nº USP 3455577
Protocolo
sobre Módulo I – “Poéticas Modelares: Robert Wilson”
Na disciplina Encenações em Jogo: Experimentos de
Criação e Aprendizagem do Teatro Contemporâneo, ministrada pelo Profº Dr. Marcos Aurélio Bulhões Martins, somos constantemente provocados a refletir
sobre as nossas próprias convicções teatrais a partir de um jogo dinâmico entre
o saber teórico e a experiência prática da cena. Realizamos um tratamento de
“Acupuntura Poética”, sobre o qual alguns conceitos, procedimentos, criadores e
pensadores colaboram com estímulos para que o nosso “corpo-pesquisador”
conquiste maior vitalidade.
Assim, numa atitude dita
“antropofágica”, alguns dispositivos cênicos são testados, sendo que nessa
primeira etapa do curso o encenador Bob Wilson serviu-nos como fonte principal
de investigação. Como se trata, no entanto, de uma abordagem hipertextual,
invariavelmente recorremos a outros materiais: são as teorias da cena
contemporânea, desenvolvidas sobretudo por Lehnmann e J. Feral, assim como a idealização
e realização dos nossos roteiros cênicos, além de diversos materiais que o
coletivo vai agregando ao longo dos encontros que constitui o conjunto maior do
exercício em questão. Trata-se, portanto, de um sistema de conhecimento formado
em rede onde não existe uma verdade absoluta a ser defendida, mas diferentes
pontos de vista a serem frequentemente problematizados.
Algumas questões a serem destacadas
na obra do Bob Wilson são: a construção consciente[1]
de uma teatralidade gerada pela intensa utilização dos próprios códigos que
compõem a linguagem teatral, assim como a dilatação do tempo no trabalho com a gestualidade dos
atores[2].
Tais procedimentos revelam alguns dos princípios que normalmente estão
atrelados à cena formalista[3]
ou ao teatro dito imagético, ainda que essas categorizações não esgotem as
possibilidades de abordagem de uma estética que vive num trânsito dinâmico com
outras linguagens, tais como a dança[4],
as artes visuais e a ópera. Nesse sentido, o trabalho do ator desenvolvido pelo
encenador americano, obviamente nada naturalista, tem como ponto de partida
elementos da dança, embora a finalidade seja justamente a sobreposição de uma
partitura física (meticulosamente desenhada) à trilha sonora que,
necessariamente, não acompanha o ritmo dos movimentos, assim como o texto
(fragmentos, colagens, frases repetidas, etc), não ilustra o movimento plástico
da cena. A iluminação, por sua vez, pode ser analisada como um elemento
dramatúrgico por si e o resultado final é justamente o embaralhamento dessas
camadas normalmente apresentadas num formato dito “harmonioso”. Existe humor,
ironia e inteligência nessas escolhas. Bob Wilson, que detesta o teatro
psicológico, esclarece que a criação não
surge como fruto da “interpretação” conteudística de algum tema abordado[5],
nem tem a ilusória pretensão de despejar um único e pré-determinado significado
da obra no colo do espectador. Essa oportunidade, ao contrário, é radicalmente oferecida
ao publico que, quando disposto e ativo diante do fenômeno teatral pode
completar os sentidos que a cena sugere a partir do seu repertório pessoal,
tornando-se, desse modo, um co-autor da obra.
Interessante ressaltar que a organização visivelmente
coreográfica do ator na cena pode ser reconhecida como uma estratégia ligada ao
sentido de “desempenho espetacular” que ela acarreta, pois Wilson normalmente trabalha
um rigoroso domínio técnico e com outros
padrões expressivos e rítmicos do corpo. Assim, a composição feita a partir da
câmera lenta[6],
repetições, pausas, entre outros comandos, cria um refinado repertório, sugerindo
uma tendência performativa desse atores-dançarinos que vão se distanciando de uma
expressão mais “antropocentrista” da cena e das próprias expressões humanas[7].
Eles sabem o tempo todo que estão atuando[8]
junto a uma complexa engrenagem cênica e preferem exibir o resultado dessa
lapidação física às expressões intempestivas de seus temperamentos. Se, por um
lado, o trabalho passa pelo conhecimento da mecânica do movimento e do gesto milimetricamente
selecionado, por outro, quando esse gesto ganha propriedade naquele corpo, com
a arte e a graça daquele criador-intérprete, ele pode ser observado pelo
publico sob outros parâmetros, próximos à ideia da Supermarionete, preconizada
por Kleist[9].
São escolhas que pressupõem uma visão de
mundo, problematizam os limites da linguagem cênica e trabalham com a
des-hierarquização dos sentidos.
Nada acontece por acaso no teatro e já chegamos num momento,
a considerar o vasto material prático e teórico produzido ao longo dos tempos,
em que escolher não agir por acaso tem seu preço, mas também suas vantagens.
Bibliografia:
Algumas entrevistas e depoimentos de Bob Wilson disponíveis na internet:
[1] “O desafio como um realizador de teatro é: posso criar
algo no palco que me ajude a ouvir melhor quando eu ligo o som? Ou algo que me
ajude a ver melhor? Ou posso criar algo que, o que eu diga, me ajude a ouvir
melhor? É uma construção. Uma construção consciente” Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/
[2] “De algumas maneiras, meu trabalho é próximo ao
trabalho do Beckett. Beckett gostava de Charles Chaplin, dos filmes mudos. Se
você olhar um filme de Charles Chaplin, é tudo denso, é tudo tempo. Ele tinha
que fazer, mais e mais, e mais, até ter o tempo correto. Não havia nada natural
ou psicológico.” Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/
[3] “O meu teatro é um teatro mais formal. Romeu diz que
ama Julieta… é muito complicado. Um teatro mais formal dá mais distância para
que você possa ter tempo para reflexão sobre muitas coisas. Eu tento não
estabelecer uma interpretação, para que cada um possa livremente fazer
associações, livremente pensar, e que aquilo possa ser diferente para cada um,
para mim, como diretor, para o ator, para o público. Determinar uma ideia ou
uma interpretação é uma mentira.” Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/
[4] “Wilson buscava na dança, assim como nos textos, uma
reestruturação da mesma. Ou seja, tendo os princípios da dança como ponto de
partida e não como fim, queria encontrar um vocabulário próprio que fosse
composto através das individualidades e que culminasse numa obra em conjunto.
E, assim, ritmos diferentes que convergissem em ritmos próprios. Tinha como
referência alguns artistas da dança que propunham um trabalho de arquitetura do
espaço e do movimento. E que com o uso de uma linguagem mais abstrata e
não-linear proporcionavam desenhos no espaço através do posicionamento dos
indivíduos no mesmo. “Eu gostava de Balanchine e de Merce
Cunningham porque
eu não tinha nem que me preocupar com argumento ou significado. Era só olhar os
desenhos, as configurações – e isto já era suficiente. (…) Eu me perguntava se
o teatro poderia fazer o mesmo que a dança e ser somente um arranjo arquitetônico
de tempo e espaço.” Em:
[5] “Em primeiro lugar, não interpreto obras. Interpretação não é
responsabilidade do diretor, do ator, do compositor ou do escritor.
Interpretação é para o público. Vejo os sonetos como obras cheias de
significados, de histórias, a não necessariamente dependentes de uma idéia
específica, mas abertas e livres para contemplação”. Em: http://blogdofavre.ig.com.br/tag/robert-wilson/
[6] “Wilson se utiliza da câmera lenta basicamente para que
consiga tornar aparentes e mais perceptíveis os momentos, movimentos, reações
que normalmente não percebemos. Segundo ele, nosso corpo não consegue
acompanhar o ritmo dos nossos pensamentos e, assim, acabamos por não nos
permitir utilizar tempo suficiente para experimentar as sensações provenientes
de um fluxo tão grande de cognições(…)”. Em: http://poeticasdebobwilson.wordpress.com/2011/01/18/a-danca-em-bob-wilson-parte-ii/
[7] O meu é um trabalho de teatro formal, em que as emoções são contidas e
não precisam ser exteriorizadas. Isso é praticamente desconhecido no teatro
ocidental, onde os atores tentam agir naturalmente e se projetam para fora (…).
Talvez para algumas pessoas isso possa significar falta de expressão ou até
mesmo sugerir uma aparência cadavérica, mas, olhando mais de perto, é possível
sentir algo diferente.
[8] Então você sabe que os atores estão atuando, eles
sabem, e isso é verdade. E eu acho que o naturalismo é geralmente uma mentira
porque árvores no palco são artificiais, as luzes, sua voz é artificial. Em: http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/tag/bob-wilson/
[9] conf. “O titereiro da graça: Kleist –
Sobre o Teatro de Marionetes”. Em Guinsburg, J. Da cena em cena.
Perspectiva: SP, 2001.
Nenhum comentário:
Postar um comentário